A Definição de Resultado para fins de Verificação da Exportação de Serviços. Uma Tarefa Casuística
por Renato Lopes da Rocha
Advogado da área tributária do escritório Campos Mello Advogados
Em razão da globalização da economia mundial e do inexorável avanço tecnológico aliado à criatividade humana, tornou-se cada vez mais difícil a tarefa de parametrizar as relações sociais e, em última análise, as relações jurídicas.
Na sociedade atual a prestação de serviços em nível internacional assume as mais diversas feições e características, o que já evidencia um claro e lógico distanciamento da realidade fática com aquela prevista de forma geral e abstrata nas legislações.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 reservou aos Municípios a competência para instituir impostos sobre serviços de qualquer natureza (ISS), conforme a dicção do inciso III do artigo 156. Considerando que atualmente existem 5.561 municípios brasileiros conforme dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)[1], é fácil compreender a razão pela qual existem tantas controvérsias envolvendo os sujeitos passivos e os fiscos municipais, com severos impactos à segurança jurídica, valor tão caro para a atração de investimentos, sobretudo investimentos internacionais.
Na tentativa de estabelecer linhas gerais em nível nacional sobre o ISS, de observância obrigatória pelos municípios quando do exercício de suas competências legiferantes, o inciso III do artigo 156 da CF/88 prescreve que os serviços sujeitos ao imposto municipal são definidos em lei complementar.
Mais adiante, o texto constitucional estabelece no inciso II do parágrafo 3° do artigo 156 que cabe à lei complementar “excluir da sua incidência exportações de serviços para o exterior.”
A lei complementar a que aludem os dispositivos constitucionais é a LC n° 116, de 31 de julho de 2003. É importante destacar que a LC n° 116 cumpre os desígnios do artigo 146, inciso I e III, “a”, da CF/88[2], de modo que não é dado aos Municípios extrapolar os contornos nela definidos, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF)[3].
Acerca da exportação de serviços, a LC n° 116 assim dispôs no artigo 2°, I e parágrafo único, in verbis:
“Art. 2° O imposto não incide sobre:
I – as exportações de serviços para o exterior do País;
(…)
Parágrafo único. Não se enquadram no disposto no inciso I os serviços desenvolvidos no Brasil, cujo resultado aqui se verifique, ainda que o pagamento seja feito por residente no exterior.”
A rápida leitura do parágrafo único do artigo 2° da LC n° 116 permite uma conclusão imediata: o ingresso de divisas no Brasil não é suficiente para caracterizar a exportação de serviços.
O ponto nodal da questão é a compreensão do que seja “cujo resultado aqui se verifique”. Ou seja, quando e de que forma o resultado do serviço prestado não se verifica no Brasil e, por consequência, ocorre a exportação de serviços não sujeita ao ISS?
A resposta para essa indagação ainda está sendo construída pela jurisprudência pátria de maneira bastante casuística.
O próprio significado da palavra “resultado” na língua portuguesa é amplo[4] e, se isoladamente considerado, não auxilia na compreensão da expressão contida no texto constitucional para o fim de definir determinada prestação de serviço para o exterior como exportação de serviços não suscetível de atrair a incidência do ISS.
Assim, deve o hermeneuta buscar a compreensão do que seja resultado na exportação de serviços a partir da sua inteligência de forma conjunta com o critério material ou hipótese de incidência do ISS, que é a prestação de serviços entendida como a execução, a realização de uma obrigação de fazer em regime de direito privado.
Também é importante ter em mente as concepções existentes sobre a palavra “serviço”. O Vocabulário Jurídico De Plácido e Silva[5] assim a define:
“(…) Extensivamente, porém, a expressão designa hoje o próprio trabalho a ser executado, ou que se executou, definindo a obra, o exercício do ofício, o expediente, o mister, a tarefa, a ocupação, ou a função. (…) Onde quer que haja um encargo a cumprir, obra a fazer, trabalho a realizar, empreendimento a executar, ou cumprido, feito, realizado, ou executado, há um serviço a fazer, ou que se fez. (…) Serviço designa qualquer atividade desenvolvida para mercado de consumo, mediante remuneração (…).”
Todas as concepções atinentes ao “serviço” trazem em si um elemento básico comum e de fundamental importância, qual seja: a satisfação da necessidade humana que motivou a prestação daquele serviço contratado.
Pode-se, nesse momento, estabelecer uma premissa inarredável que deve nortear a análise dos casos concretos: o resultado do serviço tem que estar necessariamente relacionado à satisfação da necessidade humana que fundamentou a sua execução.
Se poderia imaginar que está solucionada a questão referente à definição de “resultado” para fins caracterização de exportação de serviços. Infelizmente não é possível fazer tal afirmação.
Somente para ilustrar a vicissitudes da matéria em comento basta indagar: o “resultado” é a satisfação imediata ou mediata da necessidade que fundamentou a prestação do serviço? Vê-se, portanto, que o conceito de “resultado” para fins de incidência ou não do ISS desperta bastante polêmica.
O estudo da doutrina e da jurisprudência administrativa e judicial revela a existência de duas linhas de raciocínio mais comuns: (i) a definição do resultado do serviço estaria relacionada à plena fruição da utilidade do serviço pelo tomador/beneficiário, de modo que a utilidade do serviço estaria intrinsecamente ligada ao local onde se encontra o tomador/beneficiário. A segunda linha de raciocínio (ii) entende como resultado do serviço as suas consequências ou efeitos primários decorrentes da própria prestação (facere) ajustada entre prestador e tomador/beneficiário do serviço.
Exemplo da primeira linha de raciocínio é a decisão do Conselho Municipal de Tributos de São Paulo que afastou a incidência do ISS sobre serviços de consultoria prestados a um fundo de investimento offshore acerca do mercado brasileiro (Processo Administrativo n° 2011-0.125.786-1).
Já a segunda linha de raciocínio pode ser exemplificada no acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial n° 831.124/RJ, no qual decidiu-se pela legalidade da cobrança do ISS sobre os serviços de reparo e manutenção de turbinas de aeronaves realizados em Petrópolis/RJ, não obstante os contratantes fossem empresas aéreas no exterior.
Independente da linha de raciocínio adotada, é indispensável a análise do contrato de prestação de serviço, bem como conhecer em detalhes o modus operandi do serviço contratado, para que se possa avaliar a sua caracterização como exportação de serviços nos termos do artigo 156, § 3°, II, da CF/88 e do artigo 2°, I, e parágrafo único, da LC n° 116/03.
[2]“Art. 146. Cabe à lei complementar:
I – dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (…)
III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes.”
[3]O STF assim decidiu ao reconhecer a constitucionalidade do Decreto-lei n° 406/68, que regulava nacionalmente o ISS assim como atualmente o faz a LC n° 116/03. Naquela oportunidade, o STF entendeu que a dedutibilidade dos materiais da base de cálculo do ISS no serviço de construção civil não caracterizava isenção heterônoma, posto se tratar da legislação nacional relativa ao ISS e de observância pelos municípios – vide acórdão no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n° 239.360/MG – Min. Eros Grau – 2ª Turma – DJe 31.07.2008.
[4]A versão on-line do Dicionário Michaelis apresenta os seguintes significados:
resultado
re.sul.ta.do
sm (part de resultar) 1. Ação ou efeito de resultar. 2. O que resultou ou resulta de alguma coisa; consequência, efeito, produto; fim, termo. 3. Deliberação, decisão. 4. Ganho, lucro. 5. Mat Conclusão de uma operação matemática. Dar em resultado: produzir, causar. Não ter resultado: ficar inutilizado ou sem efeito.
[5]De Plácido e Silva Vocabulário Jurídico. Editora Forense. 22ª Edição. p. 1287.