Tributação na Contratação de Equipamentos (Navios, Sondas e Plataformas) pela Indústria do Petróleo
por Renato Caumo
advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados, em São Paulo/SP
Caroline Pires de Aguiar
advogada do escritório Pinheiro Neto Advogados, em São Paulo/SP
I. INTRODUÇÃO
Em 10.05.2011 a Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (“CSRF”) decidiu pela manutenção de autuação fiscal lavrada para exigir o recolhimento de valores de Imposto de Renda Retido na Fonte (“IRRF”) supostamente incidente sobre as remessas ao exterior relativas ao afretamento (i.e. aluguel) de navios, sondas, plataformas etc. utilizados na exploração de campos de petróleo na costa brasileira, conforme descrito no Acórdão nº 9202-01.545.
Sem adentrar no mérito de uma questão processual e outra atinente ao domicílio fiscal da contraparte nos contratos de afretamento de menor importância para a presente análise, o Acórdão nº 9202-01.545 se mostra particularmente relevante para outros contribuintes em razão de a CSRF ter mantido a exigência do IRRF por essencialmente considerar que plataformas marítimas semissubmersíveis (offshore rigs), navios-sonda (drillship), Floating Production, Storage Offloading (FPSOs), entre outras estruturas utilizadas pelas empresas na exploração de óleo e gás supostamente não seriam espécies de “embarcação,” o que afastaria, portanto, a aplicação do benefício de redução de alíquota previsto no artigo 1º da Lei nº 9.481, de 13.08.1997 (“Lei nº 9.481/97”), com relação às remessas ao exterior relativas ao seu afretamento.
A prevalecer tal entendimento –que, a nosso ver, não aplica a melhor interpretação das regras fiscais ao caso concreto–, é possível que a majoração do custo fiscal de exploração dos campos na costa brasileiro seja ao menos parcialmente repassada ao longo da cadeia produtiva, eventualmente até mesmo o preço dos combustíveis.
II. AS REMESSAS AO EXTERIOR E O CONCEITO JURÍDICO DO TERMO “EMBARCAÇÕES”
Nos termos do inciso I do artigo 1º da Lei nº 9.481/97, a alíquota do IRRF incidente sobre “os rendimentos auferidos no País, por residentes ou domiciliados no exterior, fica reduzida para zero” nas remessas para pagamento de “fretes, afretamentos, aluguéis ou arrendamentos de embarcações marítimas ou fluviais ou de aeronaves estrangeiras, feitos por empresas, desde que tenham sido aprovados pelas autoridades competentes.” A questão jurídica que se coloca, portanto, está em saber qual seria a abrangência do termo “embarcações” para fins da aplicação da redução de alíquota prevista na Lei nº 9.481/97.
Nesse sentido, a própria Lei nº 9.481/97 infelizmente não oferece qualquer definição clara e precisa do termo “embarcações,” o que levou as autoridades fiscais a sustentar, com fundamento no inciso V do artigo 2º da Lei nº 9.537/97, de 11.12.1997 (“Lei nº 9.537/97”),[1] e na Convenção Internacional sobre o Sistema Harmonizado de Designação de Decodificação de Mercadorias de 1983, do Conselho Aduaneiro, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 71, de 11.10.1988 e autorizada pelo Decreto nº 97.409, de 23.12.1988 (Nomenclatura Comum do Mercosul ou “NCM”), que somente aqueles veículos, plataformas etc. utilizadas preponderantemente no transporte de pessoas ou carga poderiam ser classificados como “embarcações,” essencialmente inviabilizando a aplicação da redução de alíquota do IRRF a grande quantidade de operações envolvendo o afretamento de navios, sondas e plataformas petrolíferas.
Tal interpretação, contudo, além de ensejar indesejável quebra de expectativa com relação a aspectos jurídicos e financeiros centrais de negócios estratégicos para o País, também deixa transparecer certa falta superficialidade na análise de temas jurídicos complexos por parte das autoridades fiscais, tais como:
(a) a circunstância de nem a Lei nº 9.481/97 e nem a NCM efetivamente veicularem um conceito fiscal de “embarcação,”[2] o que em princípio remete a “pesquisa da definição, conteúdo e alcance” desse conceito à análise de outras normas jurídicas, que não podem ser distorcidos somente para justificar a cobrança de tributos, conforme determinam os artigos 109 e 110 do Código Tributário Nacional;
(b) que tanto o direito internacional, como se verifica em vários tratados de normas marítimas,[3] quanto as próprias autoridades brasileiras competentes, como por exemplo a Marinha Brasileira,[4] não fazem distinção semelhante à proposta pelas autoridades fiscais –sendo que, no último caso, existem normas que dão interpretação bastante ampla ao conceito de “embarcação,” como por exemplo a Norma da Autoridade Marítima para a Operação de Embarcações Estrangeiras em Águas Jurisdicionais Brasileiras nºs 1 e 4;
(c) a prevalecer a interpretação defendida pelas autoridades fiscais, diversas categorias de embarcações (como aquelas destinadas ao desporto etc.) estariam essencialmente excluídas da égide da Lei nº 9.537/97, porquanto não serem destinadas ao transporte de pessoas ou carga; e
(d) em maior ou menor medida, navios, sondas e plataformas utilizados na exploração de campos de petróleo possuem capacidade de armazenamento (ainda que limitada, e não necessariamente de petróleo ou derivados) e/ou transportam pessoas (inclusive no caso de estruturas fixas, quando rebocadas), sendo possível defender que tais construções em princípio atendem o disposto na Lei nº 9.537/97 na medida em que tal norma não exige que expressamente que o transporte de pessoas ou carga seja uma atividade preponderante.[5]
Some-se a isso, ainda, o fato de as questões jurídicas indicadas acima ainda não terem sido dirimidas no âmbito do Poder Judiciário, o que vem a somar para o ambiente de incerteza criado pela decisão objeto do Acórdão nº 9202-01.545, na contramão de medidas de desoneração dos equipamentos necessários à exploração de campos de petróleo, como, pode exemplo, o Regime Aduaneiro Especial de Exportação e Importação de Bens destinados à Exploração e à Produção de Petróleo e Gás Natural (REPETRO), atualmente regulamentado pelo Decreto nº 6.759, de 05.02.2009, e pela Instrução Normativa da Secretaria da Receita Federal do Brasil nº 844, de 09.05.2008.
III. POSSÍVEIS DESDOBRAMENTOS
A matéria está atualmente submetida sob análise pelo Poder Judiciário em pelo menos dois casos de grande expressão,[6] bem como, de maneira incidental, ao crivo do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Medida Cautelar ajuizada para conceder efeito suspensivo a um Recurso Especial,[7] sendo estes processos em curso, com relação aos quais dificilmente se terá uma solução final transitada em julgado em curto espaço de tempo, o que seria importante para afastar quaisquer dúvidas que o Acórdão nº 9202-01.545 possa ter lançado com relação a aplicação da alíquota zero de IRRF às remessas ao exterior em contraprestação a operações de afretamento de embarcações navios, sondas, plataformas etc. utilizados na exploração de campos de petróleo na costa brasileira..
Sem dúvida, a divergência na interpretação do conceito legal de “embarcações” insere um indesejável componente de insegurança jurídica na negociação e operacionalização de afretamentos e, em regra, poderia ser dirimida pelo Governo Federal, pelo Legislativo, ou mesmo pelas próprias autoridades fiscais, bem antes de um pronunciamento final do Poder Judiciário sobre o tema, o que certamente estaria em linha com a posição defendida pelo poder público com relação ao contínuo desenvolvimento da indústria no Brasil.
[1] Art. 2º, inciso V, da Lei nº 9.537/97: “Embarcação – qualquer construção, inclusive as plataformas flutuantes e, quando rebocadas, as fixas, sujeita a inscrição na autoridade marítima e suscetível de se locomover na água, por meios próprios ou não, transportando pessoas ou cargas.”
[2] PAIM, Maria Augusta, in Plataforma marítima é embarcação, disponível em http://www.sintese.com/doutrina_integra.asp?id=1240, acesso em 22.09.2014.
[3] Por exemplo, Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar de 1982, Convenção Internacional sobre Responsabilidade Civil em Danos Causados por Poluição por Óleo de 1969 etc.
[4] Vide Artigo 142 da Constituição Federal de 1988 c/c Lei Complementar nº 97, de 09.06.1999, e Recurso Extraordinário nº 76.133, Rel. Min. Antônio Neder, sessão de 13.09.1974, ref. Competência da Marinha Brasileira para definir determinados aspectos jurídicos relacionados a definição de conceitos como “embarcação,” exigência de seu registro em cadastros e bancos de dados.
[5] Muito pelo contrário, pois esse argumento da atividade preponderante (já afastado pelo direito internacional em situações análogas, conforme ARLOTA, Alexandre Sales Cabral, e CARDOSO, Camila Mendes Vianna, in “A natureza jurídica das plataforma marítimas petrolíferas,” Revista Brasileira de Direito do Petróleo, Gás e Energia, v. 4, p. 23, 2013) é alegado pelas autoridades fiscais sem qualquer base em lei.
[6] TRF 2ª Região, processo nº 0007040-83.2008.4.02.5101, e JFRJ, processo nº n° 0002887-65.2012.4.02.5101.
[7] STJ, Medida Cautelar nº 21.159/RJ, Ministro Relator Benedito Gonçalves, DJ 14.05.2013.