Acordo Previdenciário Brasil – Alemanha
por Bernardo Mensch de Almeida
Especializado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBET
Advogado no Escritório Gaia Silva & Gaede no Estado do Rio de Janeiro
O Decreto nº 8.000, de 08 de maio e 2013, promulgou o Acordo de Previdência Social e seu Protocolo Adicional firmado entre a República Federativa do Brasil e a República Federal da Alemanha, introduzindo a norma convencionada no ordenamento jurídico brasileiro.
Mesmo diante da escassa doutrina e jurisprudência sobre o tema no plano doméstico, este trabalho objetiva analisar o Acordo Previdenciário celebrado com a Alemanha, e à luz da legislação interna brasileira, o período em que os trabalhadores, mesmo deslocados para o território do outro Estado[1] para o exercício de suas funções, permanecem vinculados à Previdência Social do País de origem.
Os Acordos Internacionais Previdenciários possuem guarida na legislação nacional, eis que pautados em preceitos constitucionais (arts. 4º e 5º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988) e normativo (art. 382, do Decreto nº 3.048/1999), conforme se destaca:
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:(…)
V – igualdade entre os Estados;(…)IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…)
§ 2º – Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
Decreto nº 3.048/99
Art. 382. Os tratados, convenções e outros acordos internacionais de que Estado estrangeiro ou organismo internacional e o Brasil sejam partes, e que versem sobre matéria previdenciária, serão interpretados como lei especial. (grifou-se)
Importa notar que os Acordos Internacionais de Previdência Social – como parte da política externa brasileira – são Tratados Internacionais, bilaterais ou multilaterais, assinados entre Países que objetivam garantir os direitos previdenciários aos seus segurados e respectivos dependentes.
A legislação brasileira é muito clara ao dispor sobre os objetivos dos Acordos Previdenciários. Colaciona-se:
Art. 468. Os Acordos Internacionais têm por objetivo principal garantir os direitos de Seguridade Social previstos nas legislações dos dois países, especificados no respectivo acordo, aos trabalhadores e dependentes legais, residentes ou em trânsito nos países acordantes. (Instrução Normativa do Presidente do Instituto Nacional do Seguro Social – IN INSS/PRES – nº 45 de 06.08.2010)
Objetivando garantir um tratamento isonômico entre o trabalhador nacional e o estrangeiro, os Acordos Internacionais Previdenciários buscam conciliar os pontos comuns entre as legislações dos Estados Acordantes, a fim de viabilizar a prestação de benefícios aos trabalhadores deslocados para um (Brasil) ou para outro (Alemanha) Estado partícipe do Acordo, sem, contudo, alterar a legislação interna de cada uma das Partes.
Apesar de não alterar as normas previdenciárias internas, os Acordos devem ser interpretados como lei especial, ou seja, devem prevalecer sobre as normas gerais da Previdência Social interna dos Países Acordantes, relativamente às situações objeto do Acordo.
Feita essa abordagem inicial, passa-se à análise do tema central do presente estudo, qual seja, a permanência do vínculo dos trabalhadores brasileiros ou alemães à Previdência Social dos seus países de origem, ainda que deslocados para o exercício do emprego no território do outro Estado.
A regra geral é no sentido de que o empregado, ao exercer um emprego em um dos Estados Acordantes, passa a vincular-se à Previdência Social daquele Estado.
Todavia, o Acordo prevê o instituto do deslocamento temporário, permitindo que o trabalhador e o seu empregador continuem vinculados à Previdência Social do País de origem, por período preestabelecido, desde que observadas determinadas condições.
Neste sentido, o Acordo de Previdência Social firmado entre o Brasil e a Alemanha dispõe o quanto segue:
Artigo 7
Legislação aplicável em caso de deslocamento
1. Se uma pessoa que habitualmente exerce atividade dependente em uma das Partes for deslocada, no âmbito dessa relação de trabalho, pelo seu empregador, o qual exerce regularmente uma atividade econômica significativa no Estado de origem, para o território da outra Parte, a fim de realizar trabalho para esse mesmo empregador por um período previamente determinado, a legislação da primeira Parte continuará a ser aplicada durante os primeiros 24 meses, como se ainda estivesse trabalhando no território dessa Parte. O período de 24 meses começará a ser contado no primeiro dia do mês no qual a pessoa inicia a atividade no território da outra Parte. (grifou-se)
Examinando a norma convencionada, notam-se as seguintes condições para que a regra de deslocamento temporário seja aplicada: (i)a pessoa transferida deve exercer uma atividade dependente, vale dizer, aquela realizada em função de um emprego; (ii)ser deslocada no âmbito desta relação de trabalho, ou seja, sob o comando do empregador do País de origem; (iii)o trabalho desenvolvido pela pessoa transferida deve ser realizado em favor do empregador do País de origem; e (iv)o trabalho deverá ser realizado por um período de tempo predeterminado. Atendidos esses requisitos, o Acordo autoriza que o trabalhador continue submetido à legislação do País de origem durante os primeiros 24 meses de permanência deste no País de destino, contados do primeiro dia do mês no qual a pessoa inicia a atividade laboral.
Referido instituto de deslocamento temporário, está referendado na legislação interna brasileira nos termos do caput do art. 478 da IN INSS/PRES nº 45/2010, verbis:
Art. 478. O empregado de empresa com sede em um dos Estados contratantes que for enviado ao território do outro, por um período limitado, continuará sujeito à legislação previdenciária do primeiro Estado, sempre que o tempo de trabalho no território de outro Estado não exceda ao período estabelecido no respectivo Acordo (…)” (grifou-se)
Veja-se que as condições previstas na legislação interna brasileira para a manutenção do vínculo do trabalhador à Previdência Social do País de origem são semelhantes àquelas previstas no Acordo. Repise-se: (i) que a pessoa transferida mantenha o vínculo de emprego com a empresa/empregador do País de origem; (ii) a transferência seja feita por um prazo determinado; e (iii) que o prazo de permanência no país de destino não exceda o período estabelecido no Acordo.
Destarte, consoante o Acordo Previdenciário Brasil x Alemanha, o empregado mantém-se vinculado à Previdência Social do País de origem por até 2 (dois) anos do início de sua atividade no outro Estado, desde que mantido o vínculo de emprego, exclusivamente, com a empresa de seu País de origem e para a execução de um trabalho por um prazo predefinido.
Não obstante o limite de 2 (dois) anos estipulado pelo Acordo Previdenciário, é possível que uma pessoa deslocada pelo seu empregador para o território do outro Estado, por um período preestabelecido de até 5 anos, se mantenha vinculada durante este tempo ao sistema previdenciário de seu País de origem, consoante a celebração de um Acordo extraordinário, intitulado de Convenção Excepcional.
A Convenção Excepcional[2] é o meio através do qual as autoridades competentes do Brasil e/ou da Alemanha, ou instâncias por elas designadas podem, de comum acordo, estabelecer exceções às disposições do Acordo Previdenciário firmado entre as Partes, dentre elas, a dilação do período de tempo do deslocamento temporário, podendo ser autorizado que o empregado continue vinculado à Previdência Social do País de origem em tempo superior aos 24 (vinte e quatro) meses. Isto, quando o deslocamento exceder a este prazo, mas não for superior a 60 meses (5 anos), e desde que o contrato para o emprego temporário no País de destino já previamente estabeleça que o prazo para a execução do trabalho será por período de, no máximo, 5 anos. Nesta situação, e celebrada a Convenção Excepcional, o empregado manter-se-á vinculado à Previdência Social do Estado de origem durante este período. Se o contrato estipular um prazo superior a 5 (cinco) anos para o exercício do emprego no País de destino, não poderá ser aplicada a Convenção Excepcional. Vale dizer, o trabalhador passará a vincular-se à Previdência Social do País de destino no momento da sua transferência/deslocamento para o exercício de um emprego naquele País.
Não obstante, há uma terceira possibilidade de o empregado manter-se segurado à Previdência Social de seu País de origem, qual seja: se o trabalho, inicialmente contratado para ser desempenhado no País de destino por um período de até 5 (cinco) anos tiver que ser protelado em virtude de circunstâncias alheias que justifiquem a sua prorrogação, poderá ser celebrada uma Convenção Adicional[3] para a postergação desse prazo de 5 (cinco) anos por mais um período de, no máximo, 3 (três) anos.
Significa que o empregado poderá manter-se segurado à Previdência Social do seu País de origem por um prazo de, no máximo, 8 (oito) anos, se observadas as condições exigidas a tanto, as quais, em síntese, são: (i) que o contrato de deslocamento para o exercício de um emprego no Estado de destino, com a manutenção do vínculo empregatício com o empregador do País de origem, preveja um prazo para a execução do trabalho no País de destino de até 5 (cinco) anos. Neste caso, será obrigatória a celebração da Convenção Excepcional; e (ii) havendo razões que justifiquem a prorrogação do prazo inicialmente estipulado (de até 5 anos), e desde que celebrada a Convenção Adicional, a vinculação do empregado à Previdência Social do País de origem poderá ser estendida em, no máximo, 3 (três) anos, os quais serão acrescidos aos 5 (cinco) anos iniciais, totalizando 8 (oito) anos de manutenção ao vínculo à Previdência Social do País de origem. Importa destacar, ainda, que as normas convencionadas[4] determinam que, nos casos de deslocamento temporário, a manutenção do vinculo do trabalhador à Previdência Social do País de origem deve ser instrumentalizada através da emissão de certificado de deslocamento temporário pelo órgão responsável do País de origem[5].
Por fim, conclui-se que o instituto do deslocamento temporário tem o cunho de fazer prevalecerem as normas previdenciárias do País de origem aos trabalhadores transferidos/deslocados para o exercício de emprego no País de destino por um período de tempo predeterminado. Passado esse período de trabalho temporário, o qual poderá ser de 2 (dois) anos, conforme previsto do Acordo Previdenciário, ou de 5 (cinco) e, no máximo, 8 (anos) anos, e desde que autorizado pelas autoridades competentes dos Países Acordantes, mediante Convenção Excepcional e Convenção Adicional, o empregado vincular-se-á, obrigatoriamente, à Previdência Social do Estado de destino.
[1] Brasil ou Alemanha, de acordo com o local onde for exercido o emprego.
[2] Instituído pelo Ajuste Administrativo para execução do Acordo de Previdência Social entre a República Federal da Alemanha e a República Federativa do Brasil, de 3 de Dezembro de 2009.
[3] Art. 4º, do Convênio de Execução do Acordo de Previdência Social de 3 de Dezembro de 2009 entre a República Federativa do Brasil e a República Federal da Alemanha. Disponível em http://dai-mre.serpro.gov.br/atos-internacionais/bilaterais/2009/convenio-de-execucao-do-acordo-de-previdencia-social-de-3-de-dezembro-de-2009-entre-a-republica-federativa-do-brasil-e-a-republica-federal-da-alemanha/. Acesso em 06 de junho de 2013.
[4]Idem.
[5]Se for aplicada a legislação alemã, nos casos referidos no Artigo 7 do Acordo, o certificado será conferido pela instituição do seguro-saúde à qual são recolhidas as contribuições ao seguro previdenciário ou, no caso em que não sejam transferidas quaisquer contribuições ao seguro previdenciário, a uma instituição de seguro-saúde, pela Deutsche RentenversicherungBund, Berlim. Nos casos referidos no Artigo 9 do Acordo, o certificado é conferido pelo SpitzenverbandBund der Krankenkassen (GKV-Spitzenverband), Deutsche VerbindungsstelleKrankenversicherung – Ausland (DVKA), Bonn (Confederação Nacional dos Seguros-Saúde, Organismo de Ligação Internacional, Bonn). Se for aplicada a legislação brasileira, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Brasília, ou a instituição por ele designada, expedirá o certificado.