E-commerce. O protocolo ICMS nº 21/11. Guerra fiscal. Perspectivas da ADIN 4.628

por Luiz Roberto Peroba
Sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados. Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-graduado em Direito Tributário pela New York University.

por Rodrigo Martone
Associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados. Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pós-graduado em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e mestre em Direito Tributário pela Georgetown University.

 

INTRODUÇÃO

O avanço progressivo da tecnologia, com a criação e disponibilização de novos serviços e produtos na rede mundial de computadores, a Internet, traz aos técnicos do Direito, em especial os da área tributária, a necessidade de constante estudo para a verificação da correta tributação desses novos serviços e produtos, já que a Constituição Federal de 1988 (“CF/88”) implementou, como regra geral, um sistema tributário nacional rígido e que não permite a flexibilização de institutos e princípios.

Neste contexto, vale chamar atenção para as operações efetuadas atualmente via comércio eletrônico, também denominado “e-commerce”, que nada mais são do que um tipo de transação comercial realizada notadamente por intermédio de um equipamento eletrônico como, por exemplo, um computador,

Com o amplo crescimento das operações de e-commerce, a arrecadação do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”) sobre essas atividades ganhou grande importância em âmbito nacional, em face dos elevados valores envolvidos, bem como se tornou alvo da famigerada guerra fiscal estabelecida entre os Estados da Federação e o Distrito Federal.

Em linhas gerais, os Estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste vêm questionando a forma de repartição das receitas tributárias decorrentes das atividades de e-commerce, já que, conforme veremos a seguir, toda a arrecadação do ICMS fica com os Estados do Sudeste aonde estão localizados os centros de distribuição das empresas de e-commerce.

A REGRA DO ICMS NA CF/88 E A TRIBUTAÇÃO DO E-COMMERCE

O artigo 155, inciso VII, da CF/88 estabelece que as alíquotas aplicáveis às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado serão as seguintes: (a) interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto; e (b) interna, quando o destinatário não for contribuinte dele. Como se pode verificar, a CF/88 determina claramente que o imposto deverá ser repartido entre os Estados da Federação apenas quando a operação for efetuada entre contribuintes do ICMS, não ocorrendo o mesmo quando o adquirente não for contribuinte do imposto.

A questão que se coloca, portanto, diz respeito à alíquota aplicável às operações realizadas via comércio eletrônico. Se aplicável a alíquota interestadual, na qual há uma divisão entre os Estados da Federação envolvidos na transação, ou se aplicável a alíquota interna, na qual a totalidade da arrecadação do ICMS fica com o Estado de origem.

Regra geral, a aquisição de produtos pelo comércio eletrônico é realizada por pessoas localizadas em diversos Estados da Federação que acessam os mais diversos sites de Internet existentes para efetuarem suas compras. No entanto, a grande maioria das empresas de e-commerce possui centros de distribuição localizados nos Estados do Sudeste, sendo que a venda é efetuada diretamente desses centros de distribuição ao consumidor final, geralmente pessoa física.

Dessa forma, seguindo a regra constitucional acima mencionada, como a venda do produto é realizada a destinatário final não contribuinte do ICMS, deve ser aplicada a alíquota interna do imposto, cujo produto final da arrecadação fica integralmente com o Estado de origem, ou seja, com os Estados do Sudeste aonde estão localizados os centros de distribuição.

O PROTOCOLO ICMS Nº 21/11 E A REPARTIÇÃO DAS RECEITAS

Com o intuito de que as receitas do ICMS sejam repartidas, vários Estados do Centro-Oeste, Nordeste e Norte celebraram o Protocolo ICMS nº 21, de 1º.4.2011 (“Protocolo ICMS nº 21/11”), determinando que será exigido, a favor da unidade federada de destino da mercadoria ou bem, a parcela do ICMS devida na operação interestadual em que o consumidor final adquire mercadoria ou bem, de forma não presencial, por meio de internet, telemarketing ou showroom[1].

Em outras palavras, contrariamente à regra prevista na CF/88, o Protocolo ICMS nº 21/11 determina que deve ser aplicada a alíquota interestadual do ICMS mesmo nas hipóteses em que a venda da mercadoria seja realizada a destinatário final não contribuinte do imposto. Com base nesse Protocolo, alguns Estados signatários inclusive já editaram leis estaduais determinando a imediata aplicação de suas disposições.

A justificativa utilizada pelo Protocolo, para tanto, é a de que o aumento do comércio eletrônico fez com que as operações comerciais com consumidor final não contribuintes do ICMS fossem indevidamente deslocadas para vertente diferente daquela que ocorria predominante quando da promulgação da CF/88.

Em vista disso, considerando a substancial e crescente mudança do comércio convencional para essa modalidade de comércio eletrônico, o Protocolo nº 21/11 menciona a necessidade de haver um balanceamento de forma a preservar a repartição do produto da arrecadação do ICMS nessas operações entre as unidades federadas de origem e de destino.

PERSPECTIVAS DA ADIN Nº 4.628

Em 30.6.2011, a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (“CNC”) ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (“ADIN”) perante o Supremo Tribunal Federal (“STF”), distribuída sob o nº 4.628, visando, em liminar, a imediata suspensão da eficácia do Protocolo ICMS nº 21/11 e, ao final, a declaração de inconstitucionalidade do referido Protocolo.

Basicamente, a CNC utilizou três principais argumentos para demonstrar ao STF que o Protocolo ICMS nº 21/11 é inconstitucional. O primeiro argumento consiste na violação ao artigo 155, inciso VII, alínea “b”, da CF, na medida em que o Protocolo exige a aplicação de alíquota interestadual em operação que destina mercadoria a consumidor final localizado em outro Estado, mesmo quando esse destinatário não seja contribuinte do ICMS.

O segundo argumento versa sobre a violação ao artigo 150, inciso IV, da CF/88 que veda a utilização de tributo com efeito de confisco. Ao exigir o pagamento do ICMS também no destino, o Protocolo ICMS nº 21/11 está nitidamente onerando a cadeia operacional e, conseqüentemente, confiscando o consumidor final de parcela de seu próprio patrimônio, pois é ele quem arca, em última análise, com o ônus decorrente do aumento do preço do produto.

O terceiro e último argumento é o de que o Protocolo ICMS nº 21/11 não é Convênio e poderia apenas fixar procedimentos fiscais comuns entre os Estados da Federação signatários com o objetivo de otimizar e melhorar os controles das operações de ICMS, não podendo jamais estabelecer normas que aumentem, reduzam ou revoguem benefícios fiscais, conforme regra do artigo 38 do Regimento do Conselho Nacional de Política Fazendária.

Por fim, a CNC menciona dois precedentes do próprio STF favoráveis ao entendimento de que atos normativos dos Estados da Federação jamais podem violar previsões constitucionais[2]. Atualmente, a ADIN nº 4.628 está com o Ministro Luiz Fux aguardando a apreciação do pedido de liminar para que a eficácia do Protocolo ICMS nº 21/11 seja suspensa.

CONCLUSÃO

A realidade fática do comércio era outra quando da promulgação da CF/88. Naquela época, a Internet ainda não havia sido largamente difundida e a realização de compras de produtos que envolvessem mais que um Estado da Federação eram raras. No entanto, com o crescimento do comércio eletrônico e o aumento da arrecadação do ICMS nessas operações, os Estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste acabaram destinando mais atenção ao tema já que, segundo a regra constitucional, não recebem parte dessa arrecadação tributária.

Como conseqüência, o comércio eletrônico se tornou alvo da guerra fiscal, tendo sido editado o Protocolo ICMS nº 21/11 determinando a aplicação de alíquota interestadual, com a repartição de receitas do ICMS, mesmo quando o adquirente da mercadoria não for contribuinte do imposto. Apesar da justificativa utilizada pelos Estados do Centro-Oeste, Nordeste e Norte para a celebração do Protocolo ser plausível do ponto de vista econômico e de justiça fiscal, a nossa constituição federal estabelece um sistema tributário nacional rígido e que não permite flexibilização.

Por conta disso, caso os Estados do Centro-Oeste, Norte e Nordeste pretendam alterar a forma de repartição das receitas do ICMS no comércio eletrônico, deverão, antes de tudo, envidar esforços políticos para que a CF/88 seja modificada. A tentativa de alteração dessa regra por intermédio de ato normativo, além de ser inconstitucional, acaba onerando a cadeia operacional e, principalmente, o consumidor final que é quem paga o preço final do produto.

 Em vista do acima exposto, em face da regra constitucional do artigo 155, inciso VII, alínea “b”, da CF/88, bem como da existência de precedentes da jurisprudência sobre tema semelhante, acreditamos que o STF deverá suspender a eficácia e reconhecer a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº 21/11 na ADIN nº 4.628 proposta pela CNC.



[1] Os participantes do Protocolo ICMS nº 21/11 são os seguintes: Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe e Distrito Federal. O Estado do Tocantins foi posteriormente incluído pelo Protocolo ICMS nº 43, de 8.7.2011.

[2]ADIN nº 4.565 e ADIN nº 2.551.

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