Requisitos Legais para Instituição de Taxas no Ordenamento Jurídico Brasileiro. Análise dos Novos Tributos Instituídos pelo Estado do Rio De Janeiro

 por Abner Vellasco
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro
Pós Graduado em Direito Aduaneiro pela Instituição AVM
Pós graduando em LLM Direito Tributário na FGV
Advogado do Escritório Teixeira Duarte Advogados

1. INTRODUÇÃO 

Como é cediço, a taxa é uma das espécies tributárias previstas pelo legislador constituinte, cuja competência foi outorgada a todos os entes federados (União Federal, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios). De maneira resumida, podemos afirmar que sua finalidade é a de garantir o ressarcimento aos cofres públicos em razão do exercício do poder de polícia (fiscalização) ou pela prestação de um serviço público específico e divisível efetivamente prestado ao contribuinte ou colocado à sua disposição. 

Em que pese a expressa delimitação do arquétipo constitucional do tributo e dos seus requisitos legais, que foram igualmente explicitados no Código Tributário Nacional (art. 77 e ss), muito dos entes federados, ao exercerem a competência para instituição de taxas, acabam por distorcer sua finalidade, visando apenas satisfazer interesses arrecadatórios transitórios. 

Nos últimos anos o cenário tem piorado, e o fenômeno da criação de taxas flagrantemente inconstitucionais tem crescido. Nesse sentido, à guisa de exemplos, podem ser destacadas as taxa criadas pelo Estado do Amapá ( Lei Estadual nº 1.613/ 2011), pelo Estado do Minas Gerais (Lei Estadual nº 19.976/ 2011) e pelo Estado do Pará (Lei Estadual nº 7. 591/2011), todas criadas com o objetivo de garantir a fiscalização da atividade minerária, mas em dissonância com os requisitos exigidos pela Constituição Federal e pelo CTN. 

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal, quando acionado, não consegue julgar os casos com a celeridade desejável, razão pela qual algumas taxas, mesmo com caráter flagrantemente inconstitucional, permanecem em vigor nesse interregno, produzindo efeitos no ordenamento jurídico. 

Não pode deixar de ser ressaltado que, em muitos casos, com fundamento na garantia da “segurança jurídica” ou “interesse social”, o Supremo Tribunal Federal modula os efeitos da decisão que declara a inconstitucionalidade do tributo (art. 27 da Lei nº 9.868/1999), o que acaba servindo como estímulo indireto para os entes federativos seguirem criando taxas inconstitucionais, haja vista que não serão obrigados a ressarcir o contribuinte pelas receitas inconstitucionalmente e/ou ilegalmente auferidas. 

Neste contexto, o presente artigo, pretende analisar e descrever os requisitos legais para a instituição de taxas. Por fim, passaremos a análise de dois casos concretos, com comentários acerca da constitucionalidade ou não das taxas criadas recentemente pelo Estado do Rio de Janeiro através da edição da Lei Estadual nº 7.176/ 2015 (“Taxa Única de Serviços Tributários da Receita Estadual”) e da Lei Estadual nº 7.182/ 2015 (“Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização Ambiental das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Produção de Petróleo e Gás” –TFPG). 

2. OS REQUISITOS LEGAIS PARA INSTITUIÇÃO DAS TAXAS

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu os parâmetros bem como as limitações constitucionais para a instituição das taxas pelos entes federados consoante disposto no artigo 145, inciso II e §2º: 

“Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
[…]II – taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição;
[…]§ 2º As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos.”

Em outras palavras, o referido dispositivo constitucional decidiu por bem definir que o fato gerador do tributo decorre de uma atuação do Estado que deverá: (i) prestar serviço público, efetiva ou potencialmente, divisível e específico em relação à pessoa do contribuinte[1] ou (ii) decorrente do exercício do poder de polícia.

Com efeito, o texto constitucional, ao estatuir o requisito da “divisibilidade” e “referibilidade” vinculada a um sujeito passivo específico, efetuou uma diferenciação com os impostos, dado que a taxa necessariamente deve estar vinculada a uma atividade específica e não tem como objetivo o financiamento das atividades gerais do Estado (tal como ocorre com as receitas oriundas dos impostos).

Por conseguinte, de igual modo, devem ser respeitadas as regras insertas no Código Tributário Nacional que assim dispõe no art. 77 a 79:

“Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.
Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas. (Vide Ato Complementar nº 34, de 1967) 
Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.      (Redação dada pelo Ato Complementar nº 31, de 1966)
Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder. 
Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se:
I – utilizados pelo contribuinte:
a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título;
b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento;
II – específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de utilidade, ou de necessidades públicas;
III – divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.”

 Nesse desiderato, da análise dos referidos dispositivos do Codex Tributário, depreende-se que a instituição de taxas deve se fundamentar ou no exercício de poder de polícia ou na prestação de serviços públicos. 

Partindo-se desta constatação, algumas conclusões transparecem, a saber: 

a) deve haver uma correlação pertinente entre a base de cálculo e o custo do serviço prestado, de modo que a base de cálculo eleita esteja em consonância com o dispêndio público a ela relativa para prestação do serviço por parte do Poder Público; 

b) o serviço público que dará ensejo à cobrança deve ser efetivamente prestado ou potencialmente prestado, desde que, nesta segunda hipótese, sua utilização por parte do sujeito passivo seja compulsória; 

c) o serviço deve ser divisível, ou seja, suscetível de aferição quanto à sua efetiva ou potencial utilização pelo sujeito passivo do qual se exige o tributo. 

No tocante à correlação de pertinência, tal aspecto está intimamente ligado à própria hipótese de incidência da taxa, na medida em que se trata de tributo retributivo, de natureza comutativa e sinalagmática, devendo, portanto, se limitar ao custo que o sujeito passivo especificamente considerado gerou ao ente federado, sendo inconstitucional a cobrança de valor superior, como já ensinava o mestre Aliomar Baleeiro: 

 “Em tese, pode o legislador escolher qualquer uma das grandezas ínsitas ao fato jurídico, o metro, o peso etc., exceção feita àqueles sistemas jurídicos, como o do Brasil, que elegem a capacidade econômica como princípio fundamental. É que uma terceira função da base de cálculo deve ser deduzida: a de permitir determinar a capacidade contributiva. No caso das taxas, a base de cálculo deve mensurar o custo da atividade estatal, ou seja, a sua intensidade em relação ao contribuinte, refletindo o caráter sinalagmático que lhe é inerente. A graduação nas taxas não se opera, tecnicamente, de acordo com os rendimentos do contribuinte, seu patrimônio, ou capacidade financeira em geral, elementos estranhos. Tecnicamente, as taxas devem ser graduadas segundo a intensidade da utilização do serviço pelo contribuinte ou dos gastos provocados.
 Concluímos, então, que a base de cálculo compõem-se de uma ordem de grandeza (e método de conversão), a qual dimensiona um elemento material da hipótese normativa. Da conjugação desses dois fatores resultam as três funções por ela exercidas:
– a quantificação do dever tributário;
– a adaptação do dever à capacidade contributiva do sujeito passivo;
– a definição da espécie tributária.
[…]Serão inconstitucionais as pseudotaxas que configuram impostos, por elegerem como base de cálculo coisa do contribuinte, ação ou situação jurídica estranha à atuação do Estado, como, por exemplo, o valor do imóvel a ser vistoriado, o valor do veículo ou da obra a ser licenciada, do capital da sociedade fiscalizada ou dos rendimentos do contribuinte a quem se presta o serviço etc.”
(BALEEIRO, Aliomar. Curso de Direito Tributário. Atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2013. p. 860)

 Em síntese, o critério que deve servir como norteador para que possa ser auferido a constitucionalidade das taxas criadas pelos entes federados, critério observado pela doutrina clássica, é a definição de que o serviço público só dará ensejo à cobrança de taxa se efetivamente prestado ou se potencialmente prestado, quando sua utilização seja compulsória pelo sujeito passivo:

“Podemos afirmar, portanto, que os serviços públicos que dão margem à cobrança de taxas proporcionam sempre uma utilização por parte do contribuinte, a qual pode ser de dois modos, a saber:
a) utilização efetiva. A utilização do serviço público será efetiva na hipótese do serviço ser prestado pelo poder Público e o contribuinte dele o usufruir a qualquer título. Os serviços públicos são considerados utilizados efetivamente pelo contribuinte, dispõe o Código Tributário Nacional, “quando por ele usufruídos a qualquer título” (art. 79, n.º I, letra a). No caso da taxa de limpeza pública, o contribuinte coloca o lixo para ser retirado pela Prefeitura, que o tira. Houve, no caso, uma utilização efetiva, real, do serviço público;
b) utilização potencial. A utilização do serviço público será potencial quando o serviço for prestado efetivamente pelo Poder Público, dirigido ao contribuinte, mas este não o utiliza. Segundo o Código Tributário Nacional, os serviços públicos são considerados como utilizados potencialmente “quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento” (art. 79, n.º I, letra b). Na hipótese da taxa de limpeza pública, o contribuinte deixa de colocar o lixo para ser retirado pela Prefeitura (possui incinerador de lixo ou acha-se fora da cidade), embora o serviço estivesse à sua disposição, tendo sido efetivamente realizado. Houve, então, uma utilização potencial do aludido serviço. O importante, pois, é que o Poder Público execute o serviço, tornando-o de utilização compulsória (a utilização efetiva ou potencial dará origem à taxa).”
(MORAIS, Bernardo de Ribeiro. Compêndio de Direito Tributário. Volume 1. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. p. 535)

Tomando como pressuposto os requisitos legais necessários para a instituição da taxa, passaremos nos tópicos a seguir a efetuar a análise dos casos concretos, em especial com a análise da constitucionalidade das taxas criadas recentemente pelo Estado do Rio de Janeiro.

3. A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL RJ Nº 7.176/2015 (“TAXA ÚNICA DE SERVIÇOS TRIBUTÁRIOS”)

A Lei Estadual nº 7.176/2015 acrescentou o art. 107-A ao Decreto-Lei n.º 05/1975, consoante abaixo detalhado:

 “Art. 107-A. Em substituição às taxas de serviços previstas no inciso I da tabela a que se refere o art. 107, será devida, pelos contribuintes do ICMS e das receitas não-tributárias de que trata a Lei nº 5.139, de 29 de novembro de 2007, Taxa Única de Serviços Tributários da Receita Estadual, a ser recolhida trimestralmente, conforme tabela abaixo, até o dia útil imediatamente anterior ao de início do trimestre civil em que os serviços abrangidos pela taxa serão prestados ou estarão à disposição do contribuinte

 

Faixa

Total de Saídas

Total de Documentos

Taxa Única de Serviços Tributários da Receita Estadual devida (em reais R$)

01

De R$ 0,00 a R$ 3.600.000,00

Até 6000

2.101,61

02

De R$ 3.600.000,01 a R$ 5 000.000,00

De 6001 a 24.000

4.503,45

03

De R$ 5.000.000,01 a R$ 10.000.000,00

De 24.001 a 120.000

9.006,90

04

De R$ 10.000.000,01 a R$ 50.000.000,00

De 120.001 a 780.000

15.011,50

05

Acima de R$ 50.000.000,00

Acima de 780.000

30.023,00

 

§ 1º – Para efeitos de definição do valor da Taxa Única de Serviços Tributários da Receita Estadual, conforme tabela prevista no caput, serão adotados os seguintes conceitos e parâmetros:
 I – considera-se:
a) trimestre-base da Taxa Única de Serviços Tributários da Receita Estadual, cada um dos trimestres do ano civil em que os serviços abrangidos pela taxa serão prestados ou estarão à disposição do contribuinte;
[…]§ 4º – A Taxa Única de Serviços Tributários da Receita Estadual será devida pelos contribuintes com inscrição ativa no CAD-ICMS durante todo o trimestre-base, com redução de: […]”.

Em linhas gerais, com a edição desta nova taxa será exigido de todos os contribuintes inscritos no Cadastro ICMS, mesmo aqueles incluídos no SIMPLES nacional, o pagamento trimestral ao Fisco Estadual para a suposta remuneração de uma série de serviços colocados à disposição do contribuinte.

A base de cálculo deste tributo utiliza como critério o “total de saídas” e o “total de documentos”[2]emitidos pelo contribuinte, utilizando-se de uma tabela progressiva que onera desproporcionalmente os contribuintes fluminenses (se comparado aos valores exigidos anteriormente para prestação de serviços).

De plano, convém destacar que a base de cálculo eleita pelo legislador estadual é claramente inconstitucional. A base de cálculo, repete-se, há de ser adequada ao fato gerador ou à hipótese de incidência. Por isso se diz que a base de cálculo caracteriza o tributo, se vinculado ou não vinculado, vale dizer, se taxas ou contribuições e impostos. Nesse sentido, pouco importa o “nomen iuris” adotado pelo legislador para instituição do tributo. O que possui relevância prática é o respeito aos requisitos previstos na Constituição Federal e no CTN para definição da espécie tributária.

É que, se a base de cálculo, ou base imponível, é a mensuração do fato tributário, será ela, nos tributos não vinculados (impostos), o valor da consistência da hipótese de incidência, que será sempre um fato qualquer que não uma atuação estatal; de outro lado, nos tributos vinculados, a base de cálculo consistirá na grandeza numérica ou econômica de uma atividade estatal. Alfredo Becker leciona que “a regra jurídica tributária que tiver escolhido para a base de cálculo do tributo um fato lícito qualquer (não consistente em serviço estatal ou coisa estatal), terá criado um imposto” e que “a regra jurídica tributária que tiver escolhido para a base de cálculo do tributo o serviço estatal ou coisa estatal, terá criado uma taxa[3].

Por fim, em abono ao que foi acima exposto, convém transcrever a decisão proferida pelo magistrado da 11ª Vara Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro (juízo responsável por julgar as lides tributárias que envolvem o fisco estadual) que, no bojo do mandado de segurança nº 0070467-40.2016.8.19.0001, deferiu a liminar pleiteada pelo contribuinte para afastar a cobrança da taxa estadual com base nos seguintes fundamentos:

“Objetiva a impetrante a concessão da medida liminar para que não seja exigida a taxa instituída pela Lei nº 7.176/2015 (Taxa única de Serviços Tributários da Receita Estadual), tendo em vista a sua ilegalidade e inconstitucionalidade. É de trivial sabença que, o exercício do poder de polícia e a prestação de serviço público são atividades tipicamente estatais. Serão inconstitucionais as taxas instituídas em razão de situação jurídica estranha à atuação do Estado, bem como indevidas suas cobranças, caso não atendam os requisitos de especificidade e divisibilidade do serviço, previsto no art. 79, incisos II e III do CTN. Estabelece a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional (CTN) a cobrança periódica de apenas dois tipos de taxas: as relacionadas ao poder de polícia, que são as de fiscalização do Estado, e as de serviços potenciais. Atende como potenciais somente os serviços obrigatórios – que não seria o caso dos prestados pela Fazenda, na hipótese. Ora, de acordo com a nova lei, percebemos que os contribuintes ao invés de pagarem pelo serviço sempre que o demandarem do ente público, terão que desembolsar a cada três meses um valor preestabelecido na tabela progressiva, ainda que não haja solicitação de qualquer prestação de serviço. Até mesmo uma empresa com zero de saída, zero de faturamento e zero de documentos terão que pagar trimestralmente a dita ´taxa´. Insta salientar ainda que, a falta de pagamento da suposta ´taxa´ ensejará a aplicação de multa no patamar de 30% do valor da taxa não recolhida, além dos acréscimos moratórios. O descompasso atinge como se vê a pretensão estatal que data vênia, está fadada ao malogro. Resta caracterizado, portanto, o periculum in mora, já que o tributo está na iminência de ser cobrado e irá sobrecarregar os contribuintes. Destarte, presentes os requisitos exigidos para a obtenção da medida acauteladora, razão pela qual DEFIRO A LIMINAR”´ A cautela manda que o julgador aja com prudência para que não trilhe um caminho que o leve a precipitadamente enfrentar o mérito quando no momento processual inicial do mandamus isto não é exigido. Importa tão somente apreciar a relevância do fundamento do pedido e a circunstância de que o não deferimento da liminar frustará por absoluta a prestação jurisdicional que se busca. O professor Sergio Ferraz, in ´Mandado de Segurança – Aspectos Polêmicos´, 3ª ed., Editora Malheiros, S.P., também afirma que para a concessão da liminar deve o juiz aferir a relevância do fundamento e o periculum in mora. Objetiva a impetrante a concessão da medida liminar para que não seja exigida a taxa instituída pela Lei nº 7.176/2015 (Taxa única de Serviços Tributários da Receita Estadual), tendo em vista a sua ilegalidade e inconstitucionalidade. É de trivial sabença que, o exercício do poder de polícia e a prestação de serviço público são atividades tipicamente estatais. Serão inconstitucionais as taxas instituídas em razão de situação jurídica estranha à atuação do Estado, bem como indevidas suas cobranças, caso não atendam os requisitos de especificidade e divisibilidade do serviço, previsto no art. 79, incisos II e III do CTN. Estabelece a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional (CTN) a cobrança periódica de apenas dois tipos de taxas: as relacionadas ao poder de polícia, que são as de fiscalização do Estado, e as de serviços potenciais. Atende como potenciais somente os serviços obrigatórios – que não seria o caso dos prestados pela Fazenda, na hipótese. Ora, de acordo com a nova lei, percebemos que os contribuintes ao invés de pagarem pelo serviço sempre que o demandarem do ente público, terão que desembolsar a cada três meses um valor preestabelecido na tabela progressiva, ainda que não haja solicitação de qualquer prestação de serviço. Até mesmo uma empresa com zero de saída, zero de faturamento e zero de documentos terão que pagar trimestralmente a dita ´taxa´. Insta salientar ainda que, a falta de pagamento da suposta ´taxa´ ensejará a aplicação de multa no patamar de 30% do valor da taxa não recolhida, além dos acréscimos moratórios. O descompasso atinge como se vê a pretensão estatal que data vênia, está fadada ao malogro. Resta caracterizado, portanto, o periculum in mora, já que o tributo está na iminência de ser cobrado e irá sobrecarregar os contribuintes. Destarte, presentes os requisitos exigidos para a obtenção da medida acauteladora, razão pela qual DEFIRO A LIMINAR.”

 Com base nos argumentos acima apontados, entendemos pela inconstitucionalidade da aludida taxa instituída pelo Estado do Rio de Janeiro.

4. A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI ESTADUAL RJ Nº 7.182/2015 (“TFPG” – TAXA AMBIENTAL DE FISCALIZAÇÃO DO PETRÓLEO E GÁS)

A Lei Estadual nº 7.182/2015 instituiu a taxa de fiscalização ambiental que possui como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ambiental pelo órgão ambiental estadual (INEA) sobre a atividade de pesquisa, lavra, exploração e produção de Petróleo e Gás, consoante abaixo detalhado:

 Art. 1º – Fica instituída a Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização Ambiental das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Produção de Petróleo e Gás – TFPG, que tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia ambiental conferido ao Instituto Estadual do Ambiente- INEA sobre a atividade de pesquisa, lavra, exploração e produção de Petróleo e Gás, realizada no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, consoante competência estabelecida no inciso XI do artigo 23 da Constituição Federal.
[…]Art.3°– Contribuinte da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização Ambiental das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Produção de Petróleo e Gás – TFPG é a pessoa jurídica, que esteja, a qualquer título, autorizada a realizar pesquisa, lavra, exploração, e produção de recursos de petróleo e gás no Estado do Rio de Janeiro.
 Art. 4° – O valor da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização Ambiental das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Produção de Petróleo e Gás – TFPG corresponderá a R$ 2,71 (dois reais e setenta e um centavos) por barril de petróleo extraído ou unidade equivalente de gás extraído a ser recolhida, até o 10° (décimo) dia do mês subsequente.
 Parágrafo único – O valor da Taxa de Controle, Monitoramento e Fiscalização Ambiental das Atividades de Pesquisa, Lavra, Exploração e Produção de Petróleo e Gás – TFPG, será corrigida, em 1º de janeiro de cada ano, pela variação da Unidade Fiscal de Referência do Estado do Rio de Janeiro (UFIR/RJ), e, na hipótese de sua extinção, pelo índice de correção monetária adotado para a correção tributária estadual.
Art. 5°– Considera-se devida a taxa, mensalmente, em função de produção de óleo e/ ou gás no período devidamente apurado pelas pessoas jurídicas que exercerão tais atividades e sujeita a fiscalização pelo Estado.

 

Os defensores da inconstitucionalidade da taxa criada pelo Estado do Rio de Janeiro argumentam que, na prática, o tributo instituído não respeitou os limites constitucionais e legais previstos no CTN, tornando-se um mecanismo indevido para fazer frente às despesas do Estado.

De fato, após o cotejo entre os requisitos necessários para a instituição desta espécie tributária (consoante detalhado no tópico 1 do presente artigo) e a análise da legislação estadual acima apontada, conclui-se no sentido da manifesta inconstitucionalidade desta taxa ambiental.

Para tanto, podemos destacar os principais argumentos apresentados pelos contribuintes e pelos defensores da inconstitucionalidade da aludida taxa, quais sejam:

a) O Estado do Rio de Janeiro não teria competência para instituir a cobrança da taxa, pois não possui competência administrativa para efetuar a fiscalização da atividade de extração do petróleo, que já é devidamente fiscalizada pelo órgão federal ambiental (IBAMA) não sendo necessário a fiscalização do órgão ambiental estadual (INEA);

b) A Constituição Federal, que dispôs em seu art. 23, XI, acerca da competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal sobre a exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios, não pode servir como fundamento de validade para criação de taxa pelos Estados, até porque a atividade de extração de petróleo e recursos minerais ocorre na plataforma continental fora de seus respectivos territórios. Por outro lado, a competência legislativa (inclusive em matéria administrativa) sobre petróleo e gás é exclusiva da União Federal, por força do art. 22, XII, da Constituição Federal.

c) Um dos requisitos para a cobrança da taxa é a necessária referibilidade entre a atividade desempenhada e seu pretenso usuário. No caso concreto, a base de cálculo eleita pelo legislador estadual não guarda absolutamente nenhuma relação com o dispêndio efetivamente incorrido pelo ente federado para fiscalizar a atividade em relação aos usuários fiscalizados, razão pela qual estaria sendo desvirtuada a utilização da espécie tributária.

d) O custo administrativo para a manutenção de toda a estrutura do órgão ambiental, inclusive para realizar atividades que não guardam nenhuma relação com o fato gerador da taxa em comente, é de aproximadamente R$ 511.108.287,00 (quinhentos e onze milhões, cento e oito e duzentos e oitenta e sete reais), valor significativamente inferior à previsão de arrecadação deste único tributo, estimada em R$ 1.840.000.000,00 (um bilhão e oitocentos e quarenta milhões de reais), comprovando se tratar de verdadeiro imposto transvestido de taxa, em manifesta violação ao disposto no art. 4º do CTN.

Como se nota, razão assiste aos contribuintes que defendem o não cumprimento pela taxa instituída pela Lei nº 7.182/2015 dos requisitos constitucionais e legais previstos na Constituição Federal e no CTN.

Por fim, corroborando o que foi acima exposto, convém transcrever a decisão proferida pelo magistrado da 11ª Vara Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro que, no bojo do mandado de segurança nº 0054261-48.2016.8.19.0001, deferiu a liminar pleiteada pelos contribuintes, afastando a cobrança da taxa estadual com base nos seguintes fundamentos:

“A Lei do Estado do Rio de Janeiro nº 7182/2015, não parece ser nova. A Assembleia legislativa (Alerj) já havia aprovado projeto semelhante, sendo inclusive vetado integralmente pelo então governador Sérgio Cabral. Ora, nos parece que a cobrança dessa ´taxa´ afeta a segurança jurídica necessária para o bom planejamento e a execução dos investimentos de longo prazo, típicos do setor de petróleo e gás. Visualizo violação ao art. 23 da C.F./88, bem como o fato de que a base de cálculo da taxa deve ser proporcional à onerosidade e à complexidade da atividade em comento. A própria lei instituidora estabelece que o exercício regular do poder de polícia será exercido pelo INEA, e o orçamento do órgão em 2016 é apenas 25% da estimativa de arrecadação da taxa no mesmo ano, está claramente caracterizada a desproporcionalidade na relação de referibilidade entre o valor a ser pago por todos os contribuintes e a atividade estatal. Ademais, as atividades previstas no art. 2º da Lei nº 7.182/15 não guardam a especificidade necessária a justificar a cobrança de taxa, pois a atividade estatal a justificar a cobrança do tributo sempre deverá ser específica e divisível (são duas faces inseparáveis da mesma moeda) em relação à pessoa do contribuinte. Nota-se que, boa parte das atividades descritas no artigo Segundo da Lei nº 7.182/15 extrapolam em muito o raio do interesse ambiental regional, invadindo a esfera federal de proteção ao meio ambiente. Não é por outra razão que tais atividades são estranhas às atribuições do INEA definidas pelo Decreto nº 41.628/09, onde não consta a prática de atos de controle, monitoramento e fiscalização ambiental do setor de petróleo e gás. E nem poderia tal competência ser deferida por lei estadual, pois a exploração e produção de petróleo no Estado do Rio de Janeiro é exclusivamente desempenhada no mar territorial, na plataforma continental e na zona econômica exclusiva, área em que o poder de polícia ambiental compete ao IBAMA, e não aos órgãos estaduais, de acordo com os artigos 4º e 5º da Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, a quem compete, de acordo com o art. 6º, §1º da Lei nº 6.938/81, que estabeleceu a Política Nacional de Meio Ambiente, definir as competências dos órgãos estaduais para estabelecer normas supletivas e complementares à legislação federal ambiental Logo, falece ao INEA competência para exercer o poder de polícia ambiental a que se vincula a TFPG no mar territorial, na zona econômica exclusiva e na plataforma continental, de onde são extraídos os barris de petróleo que servirão de base de cálculo para a taxa. Essa desarmonia entre a competência para o exercício do poder de polícia e os elementos da obrigação tributária eleitos pelo legislador torna impossível a cobrança da taxa. O descompasso atinge como se vê a pretensão estatal que data vênia, está fadada ao malogro. Sabemos que para a concessão da medida liminar, mister estejam presentes dois requisitos concorrentes que exsurgem de nossa legislação processual, a saber: fumus boni iures e periculum in mora. Todavia, como ensina Hely Lopes Meirelles, in ´Mandado de Segurança, Ação Popular e Ação Civil Pública´, 11º ed., Editora Revista dos Tribunais, pág. 47, verbis: ´A medida liminar não é concedida como antecipação dos efeitos da sentença final, é procedimento acautelador do possível direito do impetrante, justificado pela iminência do dano irreversível de ordem patrimonial, funcional ou moral, se mantido o ato coator até apreciação definitiva da causa.´ A cautela manda que o julgador aja com prudência para que não trilhe um caminho que o leve a precipitadamente enfrentar o mérito quando no momento processual inicial da ação. Importa tão somente apreciar a relevância do fundamento do pedido e a circunstância de que o não deferimento da liminar frustrará por absoluta a prestação jurisdicional que se busca. O professor Sergio Ferraz, in ´Mandado de Segurança – Aspectos Polêmicos´, 3ª ed., Editora Malheiros, S.P., também afirma que para a concessão da liminar deve o juiz aferir a relevância do fundamento e o periculum in mora. Resta caracterizado, portanto, o periculum in mora, já que o tributo está na iminência de ser cobrado e irá sobrecarregar os contribuintes. Destarte, presentes os requisitos exigidos para a obtenção da medida acauteladora, razão pela qual DEFIRO A LIMINAR.”

 6. Conclusão 

Por todo o exposto, conclui-se que as novas taxas criadas pelo legislador estadual do Rio de Janeiro, por não preencherem os pressupostos constitucionais e legais à sua instituição, são manifestamente inconstitucionais.

A bem da verdade, é forçoso reconhecer tratar-se de uma verdadeira política legislativa que vem sendo adotada pelos entes tributantes que, mesmo cientes dos vícios que maculam a constitucionalidade e a legalidade de determinadas taxas, decidem por instituí-las sob o falso argumento de serem necessárias à manutenção do aparato estatal pretensamente utilizado na prestação de serviços públicos ou no exercício do poder de polícia. Esta situação tem se tornado cada vez mais comum em virtude de grave crise econômica que acomete a sociedade brasileira.

Por este motivo, é fundamental a firme atuação dos contribuintes em busca da defesa da legalidade tributária, para afastar a cobrança dessas taxas inconstitucionais, que comumente se confundem com impostos e que possuem o único objetivo de aumentar a arrecadação tributária do ente tributante que as instituiu, em manifesta violação ao Estado Democrático de Direito.



[1] TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário, 2004, 11. ed. atual. até a publicação da Emenda Constitucional n. 44, de 30.6.2004. Rio de Janeiro: Renovar, p. 400.

[2]§ 1º – Para efeitos de definição do valor da Taxa Única de Serviços Tributários da Receita Estadual, conforme tabela prevista no caput, serão adotados os seguintes conceitos e parâmetros:

I – considera-se:

[…]

II – os valores de operações e prestações e o quantitativo de documentos fiscais eletrônicos emitidos corresponderão aos respectivos totais no período-base da faixa de enquadramento, da seguinte forma:

 a) o “Total de Saídas” corresponderá ao somatório dos valores declarados, pelo estabelecimento, relativos a operações e prestações de saída, na coluna “Valor Contábil” da GIA-ICMS ou no campo “VL_OPR” (valor da operação) da EFD, ou outros que vierem a substituí-los, na forma disciplinada pela Secretaria de Estado de Fazenda;

b) o “Total de Documentos” corresponderá ao somatório da quantidade de documentos fiscais eletrônicos emitidos pelo estabelecimento;

[3] BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. Saraiva, 1972, pág. 345).

 

 

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