Os cuidados exigidos pela legislação e jurisprudência para a imunidade tributária da Participação nos Lucros e Resultados da Empresa (PLR)

Por Cristiane I. Matsumoto Gago

Por William Roberto Crestani

Associados de Pinheiro Neto Advogados

Histórico e conceito da PLR

A inclusão da participação nos lucros no ordenamento jurídico brasileiro ocorreu com a Constituição Federal de 1946. No entanto, esse instituto ganhou alguma virtualidade com a transição democrática e o novo sindicalismo, culminando com a Constituição Federal de 1988. Nesse cenário, o artigo 7º, inciso XI determinou que a participação nos lucros ou resultados está desvinculada da remuneração conforme definido em lei.

Esse dispositivo constitucional tem como finalidade (i) contribuir para a melhoria da qualidade da relação entre capital e trabalho; e (ii) possibilitar o combate à fraude contra os trabalhadores (pagamento de PLR em substituição ao salário) e a solidariedade no financiamento do Sistema de Seguridade Social (de forma a evitar a evasão de contribuição previdenciária).

Embora o assunto não seja totalmente pacífico, a jurisprudência administrativa do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)[1] e a doutrina[2] já se manifestaram no sentido de que o benefício fiscal concedido aos pagamentos a título de PLR têm natureza jurídica de imunidade, na medida em que o artigo 7º, inciso XI, da CF/88 desvincula a PLR da remuneração, configurando uma supressão da competência de tributar. Essa imunidade, porém, se restringe a contribuição previdenciária prevista no artigo 195 da CF/88.

Cabe salientar que o Supremo Tribunal Federal (“STF”) tem adotado o entendimento no sentido de que o artigo 7º, inciso XI da Constituição Federal de 1988 tem eficácia limitada, ou seja, o exercício da PLR depende de lei disciplinadora que defina o modo e os limites do Programa de PLR, para fins de incidência da contribuição previdenciária (AgReg no RE n° 505.597/RS no DJ em 5.9.2005).

Seguindo essa exigência de regulamentação, foi editada a Medida Provisória n° 794/94, por meio da qual a PLR passou a ser convencionada com os empregados, mediante a negociação coletiva. Seguiram-se 77 reedições dessa Medida Provisória e em dezembro de 2000 a Medida Provisória foi convertida na Lei n° 10.101.

No âmbito previdenciário, a Lei n° 8.212/91 e o Decreto n° 3.048/99 estabeleceram que não serão considerados base de cálculo da contribuição previdenciária, os pagamentos efetuados pela empresa a seus empregados, a título de PLR, quando feitos de acordo com a legislação específica.

Também existem decisões da Suprema Corte que exigem o recolhimento da contribuição previdenciária sobre o pagamento da PLR entre a vigência da Constituição Federal de 1988 e a Medida Provisória n° 794/1994, ou seja, na ausência de lei disciplinadora. O STF reconheceu a repercussão geral da matéria.

Estabelecidas essas premissas, passamos então a analisar algumas questões referentes às exigências legais, da fiscalização e da jurisprudência para fazer uso dos benefícios decorrentes da imunidade da PLR.

A legislação relativa à PLR e as exigências da fiscalização da Receita Federal

Dentre os requisitos previstos na Lei n° 10.101/2000 para a instituição da PLR, está que o plano deve ser objeto de negociação entre a empresa e seus empregados, tanto por meio de uma comissão (a qual deve ser integrada por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria) quanto por meio de convenção ou acordo coletivo.

O plano deve conter regras claras e objetivas, e pode ter como critérios índices de produtividade, qualidade ou lucratividade, ou programas de metas, resultados e prazos pactuados previamente, sem que haja substituição ou complementação à remuneração devida aos empregados.

Deve ser arquivado na entidade sindical dos trabalhadores e também indicar formas de aferição do cumprimento das disposições acordadas, além de conter previsão dos períodos em que ocorrerá a distribuição (no mínimo a cada seis meses e em até duas vezes no ano) e prazos de vigência e de revisão do acordo.

A lei traz, portanto, algumas diretrizes que devem ser observadas para instituição dos planos de PLR, sem discorrer pormenorizadamente sobre eventuais outros requisitos específicos. Privilegia-se, assim, a ampla negociação dos planos entre empresas e empregados, de forma a se obter um acordo que melhor reflita a realidade de cada parte e que seja um valioso incentivo à produtividade, mediante a distribuição de lucros auferidos com o desenvolvimento das atividades empresariais.

Não obstante, as autoridades fiscais costumam adotar entendimentos que restringem as diretrizes legais indicadas acima, o que, na prática, leva à instituição de regras sem embasamento legal.

As autoridades fiscais têm exigido, por exemplo, que os planos de PLR se embasem obrigatoriamente em índices de produtividade ou em programas de metas, ou que haja indicação expressa do percentual do resultado ou lucro que deve ser distribuído, quando a lei, na realidade, faculta a adoção desses critérios, exigindo apenas que as regras da PLR sejam claras e objetivas.

De forma semelhante, as autoridades fiscais costumam exigir que os valores decorrentes da PLR estejam disponíveis a todos os empregados da empresa, sem, contudo, haver previsão dessa obrigatoriedade na Lei nº 10.101/2000.

Apesar disso, a jurisprudência vem reconhecendo a inaplicabilidade de exigências não previstas em lei e também flexibilizando parte das imposições legais em determinados casos, de forma a privilegiar a ampla negociação entre a empresa e seus empregados e para que se alcance o objetivo dos planos de PLR, que é a integração entre o capital e o trabalho e a imunidade da PLR em relação ao pagamento das contribuições previdenciárias.

A posição majoritária da jurisprudência sobre os cuidados que devem ser tomados na elaboração do Plano de Participação nos Lucros e Resultados

De forma sintética, traremos abaixo a posição que tem sido reiteradamente apresentada pela jurisprudência sobre as principais questões envolvendo o tema, que embora não esgotem as polêmicas acerca do assunto, representam parte significativa dela.

Uma das questões que costumam ser discutidas é se a PLR deve obrigatoriamente resultar de negociação entre a empresa e seus empregados por comissão escolhida pelas partes, integrada, também, por um representante indicado pelo sindicato da respectiva categoria.

A questão ainda é controversa na jurisprudência, sendo que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) já se manifestou no sentido de que a não participação do representante sindical pode afastar a possibilidade de exclusão dos valores da base de cálculo da contribuição previdenciária[3]. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), por outro lado, tem posição mais flexível sobre a matéria, tendo se posicionado no sentido de que a ausência de intervenção do sindicato na negociação da PLR não afeta a natureza dos pagamentos, que continuam sendo PLR (não salarial – RESP n° 865489 /RS). De qualquer forma, merece a observação de que a questão ainda precisa ser amadurecida nos tribunais, mas que os contribuintes podem evitar esse tipo de questionamento adotando uma posição conservadora de forma a criar uma comissão de PLR abrangente.

Outra questão que tem sido debatida nos tribunais administrativos e judiciais é sobre se a metas da PLR devem ser pactuadas previamente a entrada em vigor da PLR.

O CARF tem se manifestado no sentido de que a ausência da estipulação, entre patrões e empregados, de metas e objetivos previamente ao início do período aquisitivo do direito ao recebimento de participação nos lucros e resultados da empresa, caracteriza descumprimento da lei que rege a matéria. Decorre disso a incidência de contribuição previdenciária sobre tal verba.[4]. O STJ tem corroborado esse entendimento ao estabelecer que o Acordo de PLR deve ser prévio, estabelecendo os critérios de distribuição dos lucros e a entrada em vigor do plano antes mesmo do início do ano no qual será realizado o trabalho que irá gerar esse lucro (RESP n° 1216838/RS).

Uma questão sobre a qual já se manifestou o CARF é a possibilidade de pagamento de PLR apesar de não atingida a meta pactuada. O antigo 2º Conselho de Contribuintes entendeu que “o pagamento de uma parcela em valor fixo também não desvirtua a participação nos lucros ou resultados. Em última instância, tal critério condiz com as finalidades do benefício e faz com que o programa seja mais equilibrado entre os vários níveis hierárquicos na empresa. Isto porque uma repartição dos lucros que atendesse apenas ao critério da proporcionalidade com o salário acabaria por tornar o benefício irrisório para aqueles que estão na base da pirâmide salarial. Ao contrário, o pagamento também de um valor fixo possibilita uma distribuição mais equitativa, justa e socialmente correta.” (Processo n° 35.464.001900/2005-14, Acórdão n° 205-00.563, sessão de 7.5.2008)

Seguindo adiante, uma dúvida que tem reiteradamente surgida entre os contribuintes é se o resultado da negociação (plano de PLR) deve ser arquivado na entidade sindical dos trabalhadores, conforme exigido pela Lei n° 10.101/2000.

Embora reconheça a necessidade do arquivo do instrumento do acordo no Sindicato, o CARF, no entanto, tem se posicionado no sentido de não há determinação legal expressa de prazo para o respectivo protocolo na entidade (Acórdão n° 205-00.213, publicado no DOU em 12.12.2007, 5ª Câmara do 2º CC). O STJ tem sido inclusive mais flexível que o tribunal administrativo e tem dito que a falta de registro do Acordo de PLR no Sindicato não afeta a natureza do pagamento, que continua sendo PLR (não salarial – RESP n° 865.489/RS).

Outro ponto que merece atenção das empresas é no tocante a periodicidade do pagamento da PLR, a qual não deve ser inferior a um semestre civil ou a mais de duas vezes no mesmo ano civil, conforme estabelece o artigo 3º, parágrafo 2º da Lei n° 10.101/2000.

A finalidade da norma nesse caso foi justamente evitar que fosse pago, sob o título de PLR, um complemento ao salário mensal, visando incentivos legais e a não incidência da contribuição previdenciária, o que geraria risco de tais ganhos substituírem a remuneração, o que é vedado pelo artigo 3º da Lei n° 10.101/2000. Destaca-se nesse sentido a Orientação Jurisprudencial Transitória n° 73 do TST.

O STJ também tem adotado o entendimento no sentido de que o artigo 3º, § 2º, da Lei 10.101/2000 fixou critério básico para a não-incidência da contribuição previdenciária, qual seja a impossibilidade de distribuição de lucros ou resultados em periodicidade inferior a seis meses (RESP n° 496.949/PR)

Vale ressaltar, por fim, que o Programa de PLR deve estipular a periodicidade da distribuição da PLR, período de vigência e prazos para revisão do acordo (artigo 2ª, parágrafo 1º da Lei n° 10.101/2000) e que tem sido admitido pela jurisprudência administrativa[5] o Pagamento de PLR apenas para algumas categorias de empregados, já que não há na referida lei exigência para que a concessão seja feita para todos.

Conclusão

Como conclusão do exposto, podemos observar que os pagamentos relativos à PLR desfrutam de imunidade em relação às contribuições previdenciárias, conforme o artigo 7º, inciso XI, da CF/88 e a Lei n° 10.101/2000. No entanto, para fazer uso desse benefício de forma plena, as empresas devem observar certos requisitos e exigências, não apenas aqueles previstos na Lei n° 10.101/2000, mas também aqueles que têm sido reiteradamente manifestados pela jurisprudência, de forma a evitar questionamentos das autoridades fiscais que possam gerar autuações para a cobrança da contribuição previdenciária, acrescida de multa e juros.


[1] Vide Manifestação do Conselheiro Júlio César Vieira Gomes em seu voto que compõe o Acórdão 205-00.563.

[2] Vide “SILVA, JOSÉ MAURO. A Participação nos Lucros ou Resultados e as Exigências da Regulamentação da Imunidade em relação à contribuições Previdenciárias. In Revista Dialética de Direito Tributário 193”.

[3] ACÓRDÃO 2401-00.839, Publicado no DOU em 3.12.2009, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF – 2ª Seção – 1ª Turma da 4ª Câmara.

[4] ACÓRDÃO 2401-01.502, Publicado no DOU em: 18.05.2011, Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF – 2a. Seção – 1a. Turma da 4a. Câmara.

[5] Destacamos o Acórdão 205-01.178m de 7.10.2008, proferido pelo CARF.

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