O julgamento do RE 559.937 pelo STF e seus efeitos sobre a base de cálculo do PIS/COFINS-importação
por por Mauro Berenholc
Sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
Mestre em Direito Comercial Internacional pela Universidade de Kent, Inglaterra
Presidente do “Trade and Customs Law Committee” da International Bar Association – IBA
por Luiz Fernando Dalle Luche Machado
Associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie
por José Márcio R. Rego Filho
Associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
INTRODUÇÃO
Em sessão realizada no dia 20.3.2013, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (“STF”) concluiu o julgamento do Recurso Extraordinário (“RE”) nº 559.937, por meio do qual declarou, por unanimidade de votos, a inconstitucionalidade da inclusão, na base de cálculo da Contribuição para os Programas de Integração Social e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens (“PIS-Importação” e “COFINS-Importação”, respectivamente), dos valores pagos pelo importador a título do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (“ICMS”) incidente sobre tal operação e das próprias contribuições.
Este artigo tem por escopo examinar, de modo sucinto, a discussão que foi objeto de julgamento pelo STF nos autos do RE nº 559.937, bem como apresentar os efeitos dessa decisão aos contribuintes que importam mercadorias para o desenvolvimento de suas atividades.
HISTÓRICO DA DISCUSSÃO
Em 30.4.2004, foi editada a Lei nº 10.865 (“Lei nº 10.865/04”), por meio da qual foram instituídos o PIS-Importação e a COFINS-Importação, visando a aplicar um suposto tratamento isonômico entre os produtos nacionais e os produtos importados, na medida em que somente os produtos nacionais eram até então tributados pelo PIS e pela COFINS.
Ocorre que, com a edição da Lei nº 10.865/04, diversos contribuintes ingressaram com ações judiciais para contestar a exigência do PIS-Importação e da COFINS-Importação, baseados, dentre outros, no argumento de que a base de cálculo das referidas contribuições na importação de mercadorias, definida pelo artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04, estaria em desacordo com a Constituição Federal de 1988 (“CF/88”) na medida em que contempla outros valores que não se coadunam com o conceito técnico de “valor aduaneiro” como, por exemplo, o valor do ICMS e das próprias contribuições.
A CF/88, ao dispor, em seu artigo 149, sobre as contribuições sociais, estabeleceu, no §2º, inciso III, alínea “a” do referido artigo, que a base de cálculo das contribuições incidentes sobre a importação de produtos estrangeiros seria o valor aduaneiro das mercadorias importadas.
O conceito de valor aduaneiro encontra-se estabelecido no Acordo sobre a Interpretação do Artigo VII do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio (General Agreement on Tariffs and Trade – “GATT”) – incorporado em nosso ordenamento pelo Decreto nº 1.355, de 30.12.1994 (“Decreto 1.355/94”) –, segundo o qual o valor aduaneiro de mercadorias importadas será o seu valor de transação, “isto é, o preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias, em uma venda para exportação para o país de importação, ajustado de acordo com as disposições do Artigo 8 (…)” (artigo 1º).
O mencionado artigo 8º, por sua vez, elenca os valores que poderão ser eventualmente acrescidos ao valor de transação para fins de apuração do valor aduaneiro, dentre os quais, no entanto, não há qualquer menção quanto à inclusão dos tributos incidentes sobre a operação de importação. E mais, o item 4 do referido artigo 8º é expresso no sentido de que “na determinação do valor aduaneiro, nenhum acréscimo será feito ao preço efetivamente pago ou a pagar, se não estiver previsto neste Artigo.” (grifos nossos)
Sendo assim, não é difícil perceber que a base de cálculo do PIS-Importação e da COFINS-Importação prevista no artigo 7º, inciso I, da Lei 10.865/04 – que define o valor aduaneiro como “o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições (…)” – extrapolou a sua matriz constitucional, sendo, portanto, flagrante a sua inconstitucionalidade neste ponto.
Não por outro motivo, os ministros do STF, pautados justamente no conceito de “valor aduaneiro” – tal como previsto no artigo 149, §2º, inciso III, alínea “a”, da CF/88, e definido pelo Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do GATT –, declararam a inconstitucionalidade da expressão “acrescido do valor do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, constante da parte final do inciso I do artigo 7º da Lei nº 10.865/04.
EFEITOS DO JULGAMENTO DO RE Nº 559.937 PELO PLENÁRIO DO STF
Primeiramente, é importante destacar que, antes mesmo do julgamento do RE nº 559.937, o STF já havia reconhecido a repercussão geral do tema ora em análise nos autos do RE nº 559.607, que versava sobre matéria idêntica. Por essa razão que, em virtude do disposto no §1º do artigo 543-B do Código de Processo Civil (“CPC”), todos os processos envolvendo essa questão vinham sendo sobrestados (suspensos) pelos respectivos tribunais locais até o pronunciamento definitivo pelo STF.
Agora, uma vez proferido o julgamento de mérito nos autos do RE nº 559.937, os tribunais cujos recursos haviam sido sobrestados deverão, de pronto, decidir de acordo com o posicionamento firmado pelo STF, sob pena inclusive de terem seus acórdãos cassados ou reformados, liminarmente, pela Suprema Corte, nos termos do §4º do artigo 543-B do CPC.
Dessa forma, os contribuintes que já haviam ingressado com ações judiciais para questionar a constitucionalidade da base de cálculo do PIS-Importação e da COFINS-Importação – tal como prevista no artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04 – deverão ter os seus recursos providos.
A princípio, as empresas que apuram o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) com base no lucro presumido e que, por tal motivo, estão sujeitas ao recolhimento do PIS e da COFINS sob a sistemática cumulativa, deverão ser as maiores beneficiadas pela decisão do STF nos autos do RE nº 559.937. Isso porque tais empresas, ao recolherem o PIS-Importação e a COFINS-Importação, não têm a possibilidade de se creditarem de tais contribuições para posterior abatimento com os valores devidos a título de PIS e COFINS. Assim, a possibilidade de recuperação dos valores de PIS-Importação e de COFINS-Importação recolhidos a maior por tais empresas representará um efetivo ganho econômico-financeiro.
Já no que tange às empresas optantes pela apuração do IRPJ com base no lucro real e, portanto, sujeitas ao recolhimento do PIS e da COFINS sob a sistemática não-cumulativa – a qual permite o desconto de créditos no montante das contribuições pagas –, a eventual restituição do PIS-Importação e da COFINS-Importação recolhidos a maior implicará, a priori, estorno dos créditos aproveitados na medida do recolhimento a maior realizado quando do desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas. A nosso ver, o eventual pedido de restituição dos valores pagos a maior a título de PIS-Importação e COFINS-Importação sem o estorno dos respectivos créditos deverá dar ensejo a questionamentos por parte das autoridades fiscais federais.
Entretanto, independentemente da sistemática de recolhimento do PIS e da COFINS, o reconhecimento da inconstitucionalidade da inclusão do ICMS e das próprias contribuições na base de cálculo do PIS-Importação e da COFINS-Importação é importante, pois implica redução do custo dos produtos importados e também considerável ganho no fluxo de caixa das empresas importadoras, que estarão sujeitas a um menor desembolso quando do pagamento das referidas contribuições no desembaraço aduaneiro das mercadorias importadas.
Sem prejuízo do acima exposto, é importante ainda destacar que, ao final do julgamento do RE nº 559.937, o Procurador da Fazenda Nacional requereu, através de uma questão de ordem, a chamada modulação dos efeitos da decisão, tendo em vista os valores envolvidos nessa discussão que, segundo ele, giram em torno de R$ 34 bilhões. A referida questão de ordem foi rejeitada durante a sessão de julgamento, mas é de se supor que a Fazenda Nacional deverá apresentar pleito semelhante quando o acórdão estiver formalizado e passível de apresentação de recursos.
O instituto da modulação dos efeitos da decisão consiste em o STF decidir, por maioria de dois terços de seus membros, a partir de quando a declaração de inconstitucionalidade de uma lei passará a valer – i.e., somente a partir da data da publicação da ata do julgamento (efeitos ex nunc), ou de outro momento que venha a ser fixado pela Suprema Corte (efeitos prospectivos).
No presente caso, a aplicação de tal instituto poderia significar que os contribuintes que não tiverem ajuizado suas ações antes do julgamento do RE nº 559.937 não poderão pleitear os valores pagos indevidamente nos últimos cinco anos. Em que pese o STF já ter rechaçado, em algumas oportunidades, a modulação dos efeitos de suas decisões em discussões envolvendo a inconstitucionalidade de normas tributárias[1], a jurisprudência da Suprema Corte ainda não é firme nesse sentido[2].
Dessa forma, à luz da possibilidade de modulação dos efeitos da decisão do STF nos autos do RE nº 559.937, e considerando que a Receita Federal do Brasil (“RFB”), enquanto não editar ato normativo infralegal, deverá continuar exigindo o PIS-Importação e a COFINS-Importação com base na atual redação do artigo 7º, inciso I, da Lei nº 10.865/04, é recomendável que as empresas que ainda não ajuizaram ação judicial para questionar a constitucionalidade do referido dispositivo legal, que ingressem rapidamente para discutir o direito de recolher tais contribuições apenas sobre o valor aduaneiro das mercadorias importadas.
Por fim, vale notar que, além de beneficiar os contribuintes importadores de mercadorias, a decisão do STF nos autos do RE nº 559.937 deverá repercutir favoravelmente, ainda que de modo indireto, em outras teses análogas à presente, nas quais se discute a inclusão de tributos na base de cálculo de outros em desrespeito às disposições da CF/88.
[1] AI-AgR 555254/RJ, STF, Primeira Turma, Rel. Min. Marco Aurélio, acórdão publicado em 2.5.2008.
[2]No julgamento dos REs nºs 556.664, 559.882, 559.943 e 560.626, por exemplo, os ministros do STF, ao declararem a inconstitucionalidade dos artigos 45 e 46 da Lei n.º 8.212, de 24.7.1991, decidiram por limitar o direito de restituição das contribuições previdenciárias inconstitucionalmente cobradas somente para os contribuintes que tivessem questionado a sua cobrança até a data do julgamento dessa questão pela Suprema Corte.