Lei n°. 12.715/2012 e IN n°. 1.312/2012 – Possibilidade de alteração de margens nos preços de transferência

pot Antônio Moreno
Advogado tributarista no escritório Soriano & Woiler Advogados. Atuou com Preços de Transferência na DeloitteToucheTohmatsu. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP em 2008. Especialista em Direito Tributário Internacional pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT em 2012.

por Mariana de Souza Ramos
Advogada tributarista no escritório Soriano & Woiler Advogados. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP em 2011. Especializanda em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo – FGV/SP.

 

A disciplina normativa que estabelece a aplicação dos controles relativos ao preço de transferência tem como finalidade evitar que as operações praticadas entre empresas vinculadas (relacionadas) estabeleçam preços divergentes dos que seriam analogamente negociados em condições normais de mercado por empresas independentes.

O estabelecimento de preços que divergem do valor normal de mercado impacta de maneira direta a tributação das empresas relacionadas, motivo pelo qual diversos países não tardaram em estabelecer controles para os preços de transferência.

A relevância do tema ganhou tamanha relevância, que já foi objeto de diversos estudos pela OCDE – Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, órgão internacional e intergovernamental pelo qual “os representantes se reúnem para trocar informações e alinhar políticas com o objetivo de potencializar seu crescimento econômico e colaborar com o desenvolvimento de todos os demais países membros.” [1]

O órgão estabeleceu como princípio para a aplicação das regras do preço de transferência o arm’s lenght, pelo qual os preços praticados entre vinculadas devem ser os que ocorreriam entre empresas independentes (não relacionadas), em condições normais de mercado.[2]

Embora o Brasil não seja membro da OCDE, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu princípios que são indicados como premissas para adoção do padrão arm’s length, tais como o da igualdade e o da capacidade contributiva. Assim sendo, era de se esperar que a legislação defendesse os interesses da arrecadação, mas sempre respeitando tais princípios norteadores da justiça na tributação e das garantias aos cidadãos.

De acordo com Ricardo Marozzi Gregorio[3], a grande dificuldade em se efetivar o princípio do arm’s lenght “está em aferir quais seriam os lucros estabelecidos entre empresas independentes”. Na obra, o autor realiza profundo estudo no qual demonstra a colisão entre o princípio arm’s lenght e o da praticabilidade tributária, ressaltando a necessária ponderação entre um e outro, para que sejam aplicados de maneira juridicamente correta.

A efetivação do arm’s lenght exige flexibilidade na aplicação dos controles relativos aos preços de transferência, a fim de que seja possibilitada a aplicação de margens de lucro de acordo com o caso concreto, atingindo-se a proximidade dos preços que ocorreriam em condições normais de mercado.

O princípio da praticabilidade tributária, por sua vez, exige a simplificação da legislação em prol da certeza na aplicação das regras e em detrimento da subjetividade atinente à matéria. Este princípio decorre da própria necessidade de execução das leis, conferindo certeza jurídica à aplicação das normas.

Desta maneira, a subjetividade dos critérios para se estabelecerem as condições normais de mercado, que seriam as praticadas entre empresas não relacionadas, esbarra na dificuldade de aplicação da norma (genérica) com determinada certeza jurídica pelo contribuinte.

Entre as situações legais nas quais o legislador buscou definir critérios objetivos em atendimento ao princípio da praticabilidade, está a exigência de que o contribuinte pratique margens de lucros fixas para aplicação de alguns métodos. Embora a metodologia adotada favoreça a certeza sobre a exigência tributária, é imperioso notar que ela está – ou pode se demonstrar, no caso concreto – completamente dissociada da realidade econômica.

Portanto, no que tange às margens de lucro fixas e pré-determinadas, pela análise das normas relativas ao preço de transferência, resta perceptível que foi contemplada a exequibilidade da norma, em prejuízo ao princípio do arm’s lenght. Ao que parece foi essa a opção brasileira.

Como exemplo podemos citar o método PRL – Método do Preço de Revenda menos Lucro. Este método é um dos vários que exige a comprovação da margem de lucro fixada em lei. No caso específico do PRL é preciso provar que a lucratividade mínima exigida por lei foi auferida na venda de itens importados de vinculadas para não resultar em ajustes às bases tributáveis do IRPJ e da CSLL. Embora a Lei 9.430/1996 tenha sido recentemente alterada pela Lei 12.715/2012, introduzindo margens fixas de acordo com o setor da economia em que atue o contribuinte, estas margens continuam altas e dissociadas da operação das empresas (a não ser que se garantisse a sua flexibilização no caso concreto).

Ainda que o intuito da diferenciação por setor, criada com a nova lei, tenha sido justamente atender a realidade econômica das empresas, em favor do princípio da capacidade contributiva[4], o estabelecimento de margens de lucro fixas e imutáveis afasta os métodos de apuração dos preços de transferência da realidade.

Os percentuais genéricos estabelecidos, divididos por setores de atividade, continuam defasados de critérios econômicos e técnicos, não sendo razoável dizer que uma margem se mantenha fixa no tempo, ignorando-se que as alterações econômicas, altamente influenciáveis nos lucros das empresas, ocorrem periodicamente.

Portanto, mesmo com a mudança na legislação, nota-se que as margens de lucro previstas não atendem ao princípio do arm’s lenght, justamente pela inexistência de flexibilidade na sua aplicação ao caso concreto.

Em sentido contrário, poderia se alegar a existência legal do pedido de alteração das margens de lucro, previstas nos artigos 20 e 21 §2 º da lei 9.430/1996, que exigem seja comprovada a margem pretendida pelo contribuinte por intermédio de publicações, pesquisas ou relatórios, atendidos os requisitos do mesmo artigo. No que tange à regularização deste pedido, a Instrução Normativa SRRF 1.312 de 2012 praticamente repetiu os procedimentos previstos por sua antecessora, a Instrução Normativa SRRF 243 de 2002. Contudo, o que poderia ser uma solução aos excessos concedidos à praticabilidade, transformou-se em um instituto passível de diversas críticas, particularmente por ser pouco exequível.

Inicialmente, a previsão do artigo 20 da lei 9.430/96 é questionável já que, além dos casos de pedido de alteração feito por contribuinte ou entidade representativa, concede poder de alteração de ofício das margens de lucro pelo Ministro de Estado da Fazenda “em circunstâncias justificadas”. Trata-se de ampla e indevida delegação ao Ministro da Fazenda de competência privativa de lei, estabelecida pela própria Constituição Federal. Não nos parece válido que a lei repasse sua competência constitucional ao Ministro de Estado da Fazenda, se dela decorrer aumento das margens de lucro, e, portanto, maior onerosidade da tributação, ao menos não no sistema jurídico brasileiro. Ademais, não se vislumbra a diminuição das margens de ofício pelo Ministro da Fazenda, eis que nunca antes ocorrida.

Indo mais além, o artigo 46 da Instrução Normativa SRRF 1.312 de 2012 também é bastante criticável pelo fato de estabelecer prévia análise do COSIT e do Secretário da RFB, permitindo até mesmo a denegação do pedido antes da aprovação do Ministro de Estado da Fazenda, responsável legal pela análise deste. A completa falta de efetividade da previsão legal se verificou na prática, já que há o conhecimento de alguns pedidos de alteração de margem – realizados dentro das premissas legais e devidamente embasados em critérios econômicos – que foram denegados nesta etapa inicial sem uma resposta devidamente fundamentada.

Assim, a análise prévia do COSIT[5] e do Secretário da RFB somente procederia sob a justificativa de parecer destes órgãos, não podendo eles decidirem quanto a aceitação do pedido de alteração de margem, sob risco de a IN estabelecer competência decisória diferente daquela exigida em lei.

Ademais, os procedimentos foram vinculados àqueles previstos no Decreto nº. 70.235, de 6 de março de 1972, para “processos de consulta”, instituto com objetivo completamente diverso de uma petição para alteração de margem de Preços de Transferência.

Por outro lado, é de se indagar que seja concedida margem menos onerosa a um único contribuinte, ainda que somente ele tenha realizado o pedido, conforme possibilidade prevista na própria IN 1.312/12.[6] Poderiam ser tecidas represálias quanto a uma nova afronta ao princípio da igualdade e mesmo da capacidade contributiva, o que a rigor deveria ser arguido por quem se sentisse prejudicado, discutindo-se, aqui, que procedimento adotar para tanto.

Milita ainda em favor da ineficiência, a previsão de pedido realizado por entidade de classe representativa. Nesta situação, a mudança de margem de lucro, para que ocorra por iniciativa do contribuinte, dependeria da atuação conjunta das empresas interessadas a fim de coletar dados precisos sobre o lucro auferido pelo setor, o que torna a previsão pouco factível, tendo em vista tratarem, em regra, de pessoas jurídicas concorrentes.

Assim, sem nos atermos aos aspectos de legalidade citados, a crítica mais grave quanto à possibilidade de alteração das margens de lucro, é o fato de estar prevista em norma há mais de uma década e continuar inexistente no mundo fenomênico. Todas as possiblidades legais encontram alguma obstrução de ordem prática, em um exemplo típico de norma sem efetividade.

As últimas alterações normativas nada fizeram para corrigir este vício, praticamente contemplando os mesmos termos que a norma anterior, não viabilizando meios para que a alteração da margem de lucro seja solicitada pelo contribuinte e deferida pelo ente estatal.

A norma carece de outro procedimento com maior efetividade, de maneira a atender a justiça tributária e o princípio da capacidade contributiva. Ilustrativamente, podemos citar o que ocorre com o ICMS cobrado na sistemática da Substituição Tributária, pela divulgação do Índice de Valor Agregado – IVA.Analogamente, poderia ser divulgada tabela anual com as margens de lucro por setor de atividade, devidamente embasada em pesquisas econômicas realizadas por entidade estatal ou instituto técnico com reconhecida capacidade de promover estudos de tamanha complexidade.

Tendo em vista a existência de margens de lucro fixadas por intermédio de uma presunção injustificada para cada setor, bem como a dificuldade de alteração dessas margens estipuladas por iniciativa do contribuinte, conclui-se que, ao menos neste aspecto, a legislação referente à aplicação dos controles do preço de transferência, mesmo após as recentes alterações, segue priorizando em excesso a praticabilidade e exequibilidade da tributação, em prejuízo ao princípio do arm’s lenght e da efetiva correspondência do valor tributado com a realidade.

Ademais, a opção legislativa assegura os interesses da administração tributária, mas em contrapartida fere o princípio da capacidade contributiva, esculpido no artigo 145, §1º, da Constituição Federal, o qual disciplina que sempre que possível os tributos terão caráter pessoal e serão graduados de acordo com a capacidade econômica do contribuinte.

Referências Bibliográficas

BRASIL. Código Tributário Nacional.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.

COSTA, Regina Helena (2009). Curso de Direito Tributário. Constituição e Código Tributário Nacional. 1ª edição. São Paulo: Editora Saraiva.

Ernest Young & Terco. “Tax Alert”. Setembro de 2012. Disponível em: http://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/Tax_Alert_PDF_TP_25.09/$FILE/TaxAlert_PT_25.09.pdf Acesso em 04/02/ 2013 às 22 horas.

GREGÓRIO, Ricardo Marozzi (2010). Preços de Transferência. Arm’s Lenght e Praticabilidade. São Paulo: Editora Quartier Latin.

http://pfe.fazenda.sp.gov.br/st_legislacao_f.shtm Acesso em 13/02/2013 às 22 horas.

http://www.fazenda.gov.br/sain/pcn/PCN/ocde.asp  Acesso em 13/02/2013 às 22 horas.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/ /L5172.htm. Acesso em 04/02/ 2013 às 23 horas.

OrganisationforEconomicCooperationandDevelopment(OECD). “Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”.Publicado em 18 de agosto de 2010 pela OECD.

SCHOUERI, Luís Eduardo (2006). Preços de Transferência no Direito Tributário Brasileiro. 2ª edição. São Paulo: Editora Dialética.



[2] Expressa a opinião dos autores acerca da obra “Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations. Publicado em 18 de agosto de 2010 pela OECD.

[3] (2010) Gregorio, Ricardo Marozzi. Preços de Transferência. Arm’s Lenght e Praticabilidade. Quartier Latin. Página 25.

[4] A legislação anterior sofria duras críticas por parte dos contribuintes, haja vista que previa apenas uma margem de lucro independente do setor econômico, conforme estudo da Ernest Young & Terco. Tax Alert Setembro de 2012. Mais detalhes em:

http://www.ey.com/Publication/vwLUAssets/Tax_Alert_PDF_TP_25.09/$FILE/TaxAlert_PT_25.09.pdf

[5]Coordenação Geral de Tributação da Secretariada Receita Federal do Brasil.

[6] Artigo 32. § 1º As alterações de percentuais a que se refere este artigo serão efetuadas em caráter geral, setorial ou específico, de ofício ou em atendimento a solicitação de entidade de classe representativa de setor da economia, em relação aos bens, serviços ou direitos objeto de operações por parte das empresas representadas, ou, ainda, em atendimento a solicitação da própria empresa interessada. (Grifos nossos)

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