ISS: a decisão do STJ nas operações de arrendamento mercantil (“leasing”) e seu impacto sobre o conceito de estabelecimento prestador contido na LC 116/2003
por Fernanda Ramos Pazello
Associada de Pinheiro Neto Advogados, Bacharel e Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Em novembro de 2012, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no âmbito do recurso repetitivo (Recurso Especial nº 1.060.210/SC), finalizou o julgamento de questão tributária de grande relevância para as empresas de arrendamento mercantil. A Corte decidiu quem seria o sujeito ativo que detém a competência para exigir o Imposto sobre Serviço de Qualquer Natureza (ISS) nas operações de arrendamento mercantil: se seria o Município em que está situada a empresa arrendadora ou o Município em que está situado o cliente (arrendatário). Antes de analisarmos as questões debatidas em julgamento e sua conclusão, faremos alguns esclarecimentos sobre o tema.
O ISS e as operações de arrendamento mercantil
Com fundamento no artigo 156, inciso I, da Constituição Federal de 1988 (CF/88), cabe aos Municípios e ao Distrito Federal exigir imposto sobre serviços de qualquer natureza previstos em lei complementar, com exceção dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e sobre os serviços de comunicação; e (ii) os serviços a serem tributados pelo ISS devem estar previstos em lei complementar.
Considerando os ensinamentos de Aires Barreto[1], o conceito de serviço compreende atividade caracterizada como um esforço humano (obrigação de fazer) empreendido por alguém (prestador do serviço) a outrem (tomador do serviço), em decorrência da celebração de contrato que possua um conteúdo econômico (preço do serviço)
O arrendamento mercantil é um contrato por intermédio do qual a empresa arrendadora (empresa de “leasing”) adquire um bem escolhido por seu cliente (o arrendatário) para, em seguida, alugá-lo a este último, por um prazo determinado. Ao término do contrato, o arrendatário pode optar por renová-lo por mais um período, por devolver o bem arrendado à arrendadora (que pode exigir do arrendatário, no contrato, a garantia de um valor residual) ou dela adquirir o bem, pelo valor de mercado ou por um valor residual previamente definido no contrato.
O Supremo Tribunal Federal (STF), quando analisou a incidência do ISS nas operações de leasing nos autos do Recurso Extraordinário nº 592.905/SC, consignou a existência de 3 (três) modalidades de operações de leasing, a saber: (i) o leasing operacional, em que a empresa arrendadora é o próprio produtor industrial; (ii) o leasing financeiro, em que a empresa arrendadora adquire bens de um fabricante ou fornecedor; e (iii) o leasing denominado “lease-back”, em que há a venda do bem pelo arrendatário à empresa arrendadora que, posteriormente, arrenda o bem ao arrendatário.
Naquele julgamento, o STF reconheceu a incidência do ISS apenas nas operações de leasing financeiro e “lease-back”, por entender que nestas operações prepondera um serviço de financiamento; enquanto que no leasing operacional há uma locação não está sujeita à incidência do ISS. Assim, a posição recentemente firmada pelo STJ sobre o sujeito ativo do ISS levou em consideração as operações de leasing financeiro e “lease-back”, em que há a incidência do tributo municipal.
O critério espacial do ISS e a problemática da sujeição ativa
A determinação do critério espacial do ISS é de fundamental importância para evitar conflito de competência entre os Municípios, principalmente nas hipóteses em que há vários Municípios envolvidos na prestação do serviço. Por esse motivo, coube à lei complementar definir o critério espacial do ISS.
Assim, o artigo 12 do Decreto-lei nº 406/68 (DL 406/68) considerava como local da prestação de serviço o do estabelecimento prestador. Posteriormente, o artigo 3.º da Lei Complementar nº 116/2003 (LC 116/03), estabeleceu, como regra geral, que o imposto será devido no local do estabelecimento prestador ou, na falta deste, no local do domicílio do prestador. Ademais, estabeleceu hipóteses específicas em que o imposto será devido no local da prestação de serviços.
É importante destacar que o artigo 4.º da LC 116/03 preceituou estabelecimento prestador como “o local onde o contribuinte desenvolva a atividade de prestar serviços, de modo permanente ou temporário, e que configure unidade econômica ou profissional, sendo irrelevantes para caracterizá-lo as denominações de sede, filial, agência, posto de atendimento, sucursal, escritório de representação ou contato ou quaisquer outras que venham a ser utilizadas”.
No que pertine às operações de arrendamento mercantil, discute-se se o ISS é devido ao Município onde está situada a empresa arrendadora (local do estabelecimento prestador); ou se ao Município onde está situado o arrendatário. O Município do arrendatário defende que o ISS é devido no local da prestação do serviço e, no seu entender, a prestação do serviço de arrendamento mercantil ocorre onde está situado o arrendatário. Assim, cabia ao STJ decidir acerca do critério a ser utilizado para determinação do sujeito ativa nas operações de leasing financeiro: local do estabelecimento prestador X local da prestação do serviço.
É importante destacarmos que apenas o voto do Ministro Teori Albino Zavascki está disponível no site do STJ e, até o momento, não houve a publicação do acórdão. Assim, o que será analisado a seguir considera a leitura dos votos e os debates ocorridos em Plenário.
De início, vale mencionar que, ao que nos pareceu, as manifestações dos ministros misturaram os critérios de local da prestação do serviço e local do estabelecimento prestador, mas concluíram que o tributo seria devido no local do estabelecimento prestador, asseverando, inclusive, que lá ocorreria a prestação do serviço. Além disso, houve discussão em plenário acerca do conceito de estabelecimento prestador, tendo em vista a existência da sede e filial da empresa arrendadora. Vejamos.
O recente julgamento do STJ
No fim de maio de 2012, o Plenário do STJ iniciou o julgamento do Recurso Especial nº 1.060.210/SC (sistemática dos recursos repetitivos). Em razão de sucessivos pedidos de vista, o julgamento teve seu fim somente em novembro e, à unanimidade, a Primeira Seção do STJ concluiu que o ISS deve ser exigido pelo município que sedia a empresa de leasing (local do estabelecimento prestador).
O Ministro relator, Napoleão Maia, juntamente com os Ministros Asfor Rocha e Mauro Campbell, reconheceu que o ISS deve ser exigido pelo Município que sedia a empresa de leasing. No que pertine ao conceito de estabelecimento prestador, asseverou-se que seria a organização capaz de prestar o serviço, ou seja, o local em que o contrato é celebrado, administrado e finalizado. Já os serviços prévios – de intermediação da venda e captação de clientes – seriam operações à parte e que não atrairiam o conceito de estabelecimento prestador para fins de incidência do imposto.
Assim, na vigência do DL 406/68, o ISS deveria ser exigido pelo Município onde o estabelecimento prestador do serviço de leasing está situado; e, a partir da vigência da LC 116/2003, o ISS seria cobrado pelo Município onde está situada a unidade econômica ou profissional responsável pela prestação de serviço.
O Ministro Teori Albino Zavascki, com base no entendimento do STF de que a atividade preponderante da operação de leasing financeiro seria o financiamento, concluiu pela incidência do ISS no local do estabelecimento prestador (empresa de arrendamento mercantil). Confira suas razões de decidir:
“[…] é de se entender que a essência de serviço de leasing financeiro sujeito à tributação é o ato de financiar (=o financiamento), sendo irrelevantes os demais atos de execução do contrato a cargo do prestador, inclusive o da aquisição e o da entrega do bem. Se a prestação do serviço é, na essência, a concessão do financiamento, o que se tem é um serviço de natureza instantânea (e não continuada) que o seu prestador (=financiador) cumpre e exaure no limiar da relação contratual. Se assim é, têm razão os votos já proferidos nesse julgamento, que, revisando os precedentes da 1ª Seção do STJ sobre o tema, são no sentido da aplicação da norma estabelecida no art. 12 do Decreto-lei 406/68, segundo o qual ‘Considera-se local da prestação do serviço: (…) o do estabelecimento prestador ou, na falta do estabelecimento, o do domicílio do prestador’. As exceções a essa regra são apenas as hipóteses de construção civil e de exploração de rodovias (letras b e c do dispositivo) […]”
Embora o voto analise o local em que se dá a prestação do serviço de financiamento no arrendamento mercantil (serviço de natureza instantânea), sua conclusão é de que o ISS é devido no local onde está situado o estabelecimento prestador do serviço. Ou seja, como o serviço de financiamento não se encontra entre as exceções do artigo 3º da LC 116/2003, o imposto é devido no local do estabelecimento prestador.
O Ministro Herman Benjamim iniciou a discussão sobre a existência de filiais e sedes das empresas arrendadoras. Em seu voto-vista, o Ministro seguiu o relator para reconhecer a incidência do ISS no local do estabelecimento prestador e, enfrentando a questão do conceito de estabelecimento prestador, entendeu que o ISS é devido no local da sede da empresa arrendadora, uma vez que é neste local onde ocorre as principais atividades relacionadas ao serviço de financiamento. Assim, sua manifestação foi no sentido de que o imposto seria devido no Município da sede, em que pese seu entendimento pessoal de que tal conclusão contribuiria para a existência de paraísos fiscais.
Conclusão
Como conclusão de todo o exposto, podemos observar que, no julgamento do STJ acerca do sujeito ativo do ISS nas operações de leasing, o Plenário reconheceu que o tributo municipal é devido ao Município onde se situa a sede da empresa arrendadora, uma vez que a essência do serviço nas operações de leasing é o financiamento e as principais atividades relacionadas a este serviço ocorrem na sede da empresa (celebração e administração do contrato).
Com efeito, o Plenário do STJ levou em consideração na análise do conceito de estabelecimento prestador o local onde se desenvolve as principais atividades relacionadas ao serviço. Este ponto nos parece novo e poderá ser abordado em outras discussões que envolvam a sujeição passiva do ISS e estabelecimento prestador.