ICMS em Operações Interestaduais de Bens Destinados a Emprego em Atividade Não Sujeita ao Imposto – Repercussões e Consequências do Entendimento do Estado de São Paulo, Conforme a Decisão Normativa CAT Nº 01/2013

por Marcelo Mazon Malaquias
Sócio da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
por Ricardo Cristiano Buoso
Associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie

 

INTRODUÇÃO

 Em 14.6.2013, foi publicada a Decisão Normativa CAT nº 01, de 13.6.2013 (“Decisão Normativa CAT nº 01/2013”), emitida pelo Coordenador da Administração Tributária do Estado de São Paulo, com intuito de consolidar o entendimento contido nas Respostas às Consultas nºs 271/2010, 505/2012, 506/2012 e 507/2012, para estabelecer os procedimentos que deverão ser adotados pelos contribuintes paulistas em operações interestaduais de aquisição de bens destinados a emprego em atividade sujeitas ou não ao ICMS, assim como a alíquota aplicável nessas operações e os reflexos na apropriação de créditos desse imposto.

 Este artigo tem por escopo examinar as repercussões e consequências dessa posição da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo contida na Decisão Normativa CAT nº 01/2013, assim como apresentar os efeitos dessa decisão normativa para os contribuintes que adquirem mercadorias de fornecedores localizados em outros Estados da Federação.

CONCEITO HISTÓRICO DA DISCUSSÃO, REGRAS E EFEITOS CONTIDOS NA DECISÃO NORMATIVA CAT nº 01/2013

 A Constituição Federal, ao dispor, em seu artigo 155, inciso II, sobre a competência dos Estados em instituir o ICMS, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, estabeleceu que as alíquotas interestaduais seriam regulamentadas pelo Senado Federal (Regra Geral 12%, Regra Especial 7% ou 4% em operações interestaduais com bens e mercadorias importados do exterior) e, nas operações e prestações que destinem bens e serviços ao consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á a alíquota interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto, assim como a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte.

 O referido artigo ainda prevê que cabe ao Estado da localização do destinatário dos bens o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, quando o destinatário for contribuinte do imposto.

 Antes de adentrar o mérito da discussão, é importante conceituar a definição de contribuinte do ICMS prevista no artigo 4º e seguintes da Lei nº 87/1996, qual seja “qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.

 Segundo Roque Antonio Carrazza, “pode ser contribuinte do ICMS qualquer pessoa (física, jurídica ou, até, sem personificação de direito) envolvida, em caráter de habitualidade, com a prática de operações mercantis[1]”. Portanto, a mera inscrição no cadastro dos contribuintes dos Estados da Federação para cumprimento de obrigações fiscais acessórias não caracteriza a sociedade como contribuinte do ICMS. Em outras palavras, há a necessidade de realizar operação mercantil sujeita ao ICMS com habitualidade. Esse, aliás, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”)[2].

No entanto, essa sistemática de apuração do ICMS, prevista na Constituição Federal, envolvendo operações interestaduais para aquisição de bens provenientes de outros Estados da Federação, acrescida da definição de contribuinte do ICMS, acarreta inúmeras controvérsias tributárias, especialmente em relação àquelas sociedades não contribuintes do imposto, mas regularmente inscritas no cadastro de contribuintes do Estado em que estão instaladas, para o cumprimento de obrigações acessórias.

 Esse é o caso das construtoras que adquirem bens de outros Estados para atividades não sujeitas ao ICMS. Igualmente é o caso das empresas que, embora sejam contribuintes do imposto, também prestam serviços contidos no rol taxativo previsto na Lei Complementar 116/2003 (serviços não sujeitos ao ICMS).

 Nessas situações, o Estado de São Paulo (Estado de destino) acaba se tornando refém dos contribuintes instalados nos Estados de origem. Isto porque, o fornecedor de contribuinte paulista, estabelecido em outro Estado, por não ter ciência de que o destinatário não é contribuinte do imposto (ou sendo contribuinte, utilizará esses bens para atividades não sujeitas ao ICMS), tributa a remessa dos bens pela alíquota interestadual, tornando a venda menos onerosa.

 Diante dessa situação, surgem dúvidas quanto à possibilidade da cobrança do diferencial de alíquota pelo Estado de destino, entre a alíquota interestadual e a interna.

 Segundo José Eduardo Soares de Melo, essa cobrança não seria possível, haja vista que inexiste forma juridicamente viável de o Estado de destino reclamar o recolhimento do diferencial de alíquota. Isso se deve aofato de o ICMS não ser exigido na entrada de mercadorias no Estado de destino, uma vez que é devido integralmente ao Estado de origem[3].

 No entanto, embora a doutrina e a jurisprudência tenham considerado inviável a cobrança do diferencial de alíquota nesses casos, o STJ entendeu que o Estado destino poderia aplicar multas[4] aos contribuintes que receberam mercadorias acompanhadas por documentos fiscais, nos quais houve aplicação, indevidamente, de alíquota interestadual e não a alíquota interna do Estado de origem, pelo fato de os destinatários terem a obrigação de agir com lealdade e informar a seus fornecedores sua real condição de não-contribuintes do ICMS em relação a tais remessas.

 Portanto, para prevenir questionamentos, resta aos contribuintes paulistas alertar seus fornecedores estabelecidos fora do Estado de São Paulo para que tributem as remessas de mercadorias, que não se destinem a posterior atividade sujeita ao ICMS, com aplicação da alíquota interna do Estado em que estão instalados.

 Além disso, a Decisão Normativa prevê que, quando se tratar de aquisição interestadual de bens para a utilização em atividade sujeita ao ICMS, deve ser empregada pelo fornecedor remetente a alíquota interestadual, devendo ser recolhido o diferencial de alíquota em favor do Estado de São Paulo. 

 Por sua vez, na hipótese de a empresa adquirente desenvolver não apenas atividades sujeitas ao ICMS, mas também atividades não sujeitas a esse imposto, a Decisão Normativa prevê que deverá essa sociedade solicitar expressamente a seus fornecedores localizados em outros Estados que as respectivas remessas sejam segregadas conforme a destinação prevista para emprego em cada uma de suas atividades.

 A Decisão Normativa CAT nº 01/2013 estabelece também a necessidade de os contribuintes paulistas – destinatários dos bens oriundos de outros Estados – promoverem ajustes em sua escrita fiscal no caso de movimentação entre os estoques desses bens já registrados, a saber:

 (i) para bens recebidos a serem utilizados em atividade não sujeita ao ICMS, mas que acabaram destinados à atividade sujeita a esse imposto, a sociedade poderá tomar o crédito correspondente a essa entrada, observadas as regras pertinentes à hipótese, até o limite referente à aplicação da alíquota interestadual prevista; e

 (ii) para bens recebidos para utilização em atividade pertinente ao ICMS, mas que acabaram destinados à atividade não sujeita a esse imposto, a sociedade deverá estornar o crédito eventualmente tomado quando da respectiva entrada em seu estabelecimento, sem recolhimento de diferencial de alíquota.

 Assim, o Estado de São Paulo impôs a seus contribuintes, por meio da Decisão Normativa CAT nº 01/2013, a obrigação acessória de solicitar expressamente aos fornecedores localizados em outros Estados da Federação a sua situação de não-contribuinte do ICMS e, quando contribuinte, informar a destinação dos bens. Isso levará à seguinte situação: deverá o fornecedor enviar os bens de forma segregada ao destinatário, a fim de evitar o recolhimento indevido do imposto.

 A Decisão Normativa CAT nº 01/2013 entrou em vigor em 14.06.2013, ficando os contribuintes paulistas sujeitos à norma a partir de 14.07.2013.



[1] Roque Antonio Carrazza, ICMS, 15ªEd., Malheiros, pág 41

[2] TRIBUTÁRIO -  EMPRESA DE CONSTRUÇÃO CIVIL - AQUISIÇÃO DE OUTRO ESTADO DE MATERIAIS EMPREGADOS NA CONSTRUÇÃO CIVIL - ICMS - DIFERENCIAL DE ALÍQUOTAS - INEXIGIBILIDADE - ATIVIDADE SUJEITA AO ISS - AUSÊNCIA DE EIVA NO JULGADO E DE VIOLAÇÃO AOS ARTIGOS 1º DA LEI N. 1.533/51 E 267, IV DO CPC - DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL NÃO CONFIGURADA - SÚMULA N. 83/STJ.
É firme o entendimento deste Sodalício, na linha do que restou decidido pela egrégia Corte de origem, acerca da inexigibilidade do ICMS de empresas de construção civil que adquirem materiais em outro Estado para empregá-las no desempenho de sua atividade-fim.  Em tais hipóteses, é de elementar inferência que a empresa que adquire os bens não está promovendo a circulação da mercadoria, a caracterizar operação mercantil sujeita ao ICMS. Trata-se, portanto, de operação sujeita à incidência do ISS, previsto no item 32 da lista anexa ao DL n. 406/68. (...)
(STJ, REsp nº 201841/MG – 2ª T. Rel. Min. Franciulli Netto, DJU de 22.3.2004, p. 262)

 

[3] José Eduardo Soares de Melo, ICMS – Teoria e Prática, 12ª Ed., Dialética, pág. 284.

[4] EDcl em RMS nº 12.062-GO – 2ª Turma – Rel. Min. Herman Benjamim – j. 13.5.2008 – Dje de 13.2.2009.

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