E-Commerce. O Protocolo ICMS N. 21/11. Guerra Fiscal. Perspectivas da ADIN 4.628
por Frederico Coelho de Souza é Advogado
Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e Membro da International Fiscal Association
O E-commerce (leia-se comércio eletrônico), trata de uma nova modalidade de compra e venda, a qual utiliza internet para a transação entre consumidores e fornecedores, os quais podem estar localizados no mesmo Estado ou não.
Essa moderna forma de relação comercial cresceu exponencialmente nos últimos anos no Brasil, na proporção em que a compra pela internet trouxe inúmeras facilidades para o consumidor – que não precisa sair de casa para gozar de promoções e adquirir os produtos que desejar – fora o aumento do poder aquisitivo das camadas mais populares, que possibilitou que os seus componentes passassem a ter acesso à internet.
Assim, como o Direito sempre busca atender hábitos comerciais da sociedade, é importante lembrar que o constituinte originário de 1988 não previu que o aumento do comércio “on line” pudesse acarretar prejuízo no comércio local de Estados ditos “consumidores”, em favorecimento dos demais Estados “fornecedores”.
Nesta seara, emana o Protocolo ICMS n. 21, de 1º de Abril de 2011, com fundamento no disposto nos artigos 102 e 199 do Código Tributário Nacional e no artigo 9º da Lei Complementar n. 87/96, que determinou que Estados signatários (remetentes e de destino) deverão repartir o ICMS incidente sobre a operação com consumidor final não contribuinte.
O imbróglio jurídico-constitucional surge quando analisamos o protocolo 21/11, a competência do CONFAZ e a Constituição Federal de 1988, inferindo-se a literal inconstitucionalidade na exigência do ICMS nas operações interestaduais pela internet tendo como destino consumidor final não contribuinte, estorvo este que é objeto da ADIN n. 4.628, ajuizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux.
Destarte, sem prejuízo de outras digressões atinentes à matéria, no presente artigo trataremos apenas das questões referentes ao protocolo n. 21/11, visto que há ADIN aguardando julgamento, e, ao que parece irá reconhecer a(s) inconstitucionalidade(s) do referido convênio, que apresenta inúmeras afrontas à Constituição Federal de 1988, senão vejamos!
INCONSTITUCIONALIDADE: EXTENSÃO DOS EFEITOS DO PROTOCOLO A ESTADOS NÃO SIGNATÁRIOS
Preambularmente cumpre salientar que o Conselho editor do protocolo 21/11 – o CONFAZ – possui competência disciplinada no seu Regimento Interno, que, pelo artigo 38 não autoriza o espraiamento dos efeitos dos protocolos para Estados não signatários, nem tampouco permite que o Conselho inove em matérias que só podem ser objeto de Lei Complementar.
Ora, aqui temos a primeira ofensa à Constituição, na proporção em que os Estados não signatários do protocolo estão sendo compelidos a cumprir o protocolo, nos termos do Parágrafo Primeiro da Cláusula Terceira do convênio, evidenciando-se a bi tributação, posto que o contribuinte vendedor recolherá o integralmente o imposto no Estado de Origem (alíquota interna), com o “plus” da parcela criada pelo protocolo a ser recolhida no Estado destinatário:
Parágrafo único. O ICMS devido à unidade federada de origem da mercadoria ou bem, relativo à obrigação própria do remetente, é calculado com a utilização da alíquota interestadual.
Desta forma, o protocolo impõe excessiva e inconstitucional carga tributária, o que seria amenizado se ao menos determinasse que o Estado de Origem transferisse parcela do que recebeu ao Estado de destino.
INCONSTITUCIONALIDADE: EXIGÊNCIA DO IMCS NAS OPERAÇÕES QUE TENHAM COMO DESTINO CONSUMIDOR FINAL NÃO CONTRIBUINTE
O protocolo viola o art. 155, § 2º, VII, “b” da Carta Magna, no que concerne a novas hipóteses de incidência tributária, na medida em que exige a alíquota interestadual em se tratando de destinatário final não contribuinte, afrontando o dispositivo supra mencionado, que reza:
VII – em relação às operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, adotar-se-á:
(…)
b) a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele;
Ora, se a Constituição Federal é cristalina ao dispor como regra a aplicação da alíquota interna em se tratando de operação que destine bens a consumidor final não contribuinte do imposto, não pode o protocolo contrariar o dispositivo constitucional, que só poderia ser modificado por Lei Complementar.
A aplicação da alíquota interna se justifica em razão de que quando o consumidor final não é contribuinte, o produto não se qualifica como mercadoria, porque resta exaurida a cadeia comercial, cabendo ao Estado remetente o produto integral do tributo devido.
INCONSTITUCIONALIDADE: INOVAÇÃO EM MATÉRIA DE SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA
No que toca à substituição tributária, a Cláusula 2 do protocolo assim dispõe:
“nas operações interestaduais entre as unidades federadas signatárias do protocolo o estabelecimento remetente, na condição de substituto tributário, será responsável pela retenção e recolhimento do ICMS, em favor da unidade federada de destino, relativo à parcela de que trata a cláusula primeira”.
Desta forma, o protocolo afrontou os dispositivos constitucionais atinentes à substituição tributária, além do que inovou na matéria, na contramão do disciplinado na Lei Complementar n. 87/96, matéria esta que só poderia ser modificada pelo Poder Legislativo.
Oportuno o magistério de Roque Antônio Carraza, que ensina: “na substituição tributária “para frente” parte-se do pressuposto de que o fato imponível ocorrerá no futuro e que, portanto, é válida a cobrança antecipada do tributo”. (ICMS. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 313).
Assim, a cobrança antecipada do ICMS presume a continuidade do ciclo econômico até o seu exaurimento, o que não ocorre nas operações feitas pela internet a consumidor final não contribuinte.
Portanto, a substituição tributária está condicionada à existência de outros contribuintes, haja vista que apenas outro contribuinte pode realizar o fato gerador presumido que é antecipado pela substituição, tudo em conformidade com o § 7º do artigo 150, da Constituição, bem como nos artigos 6º e seguintes da Lei Complementar nº 87/96, que rezam:
Art. 6o Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.
§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes, inclusive ao valor decorrente da diferença entre alíquotas interna e interestadual nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado, que seja contribuinte do imposto.
Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar.
Ou seja, no que concerne a mudanças nas regras de substituição tributária, seria necessária Lei Complementar, em obediência ao artigo 155, parágrafo 2º, inciso XII, alínea b da Constituição Federal: “cabe à lei complementar dispor sobre regime de substituição tributária”.
INCONSTITUCIONALIDADE: INOVAÇÃO EM MATÉRIA DE REPARTIÇÃO DE RECEITAS TRIBUTÁRIAS
Outra literal inconstitucionalidade desrespeito ao próprio objetivo do protocolo, qual seja a repartição de receitas tributárias.
Assim, a delicada matéria referente às repartições das receitas tributárias, além de não estar prevista no Regimento Interno do CONFAZ, só pode ser objeto de Lei Complementar, nos termos do que dispõe o artigo 161 da Constituição Federal, in verbis:
Art. 161. Cabe à lei complementar:
(…)
II – estabelecer normas sobre a entrega dos recursos de que trata o art. 159, especialmente sobre os critérios de rateio dos fundos previstos em seu inciso I, objetivando promover o equilíbrio sócio-econômico entre Estados e entre Municípios;
(…)
CONCLUSÃO
Espera-se que a Corte Constitucional entenda pela inconstitucionalidade do protocolo 21/11 em sede da ADIN n. 4.628, tendo em vista que a pregada “divisão do ICMS” está camuflada em um protocolo substancialmente inconstitucional, que traduz a sede do Fisco, em detrimento dos ditames constitucionais.
Torna-se evidente que o viés autoritário do executivo, sequela do regime de exceção vivido pelo país nas décadas de 60 e 70, ainda perdura, em especial no campo da edição normativa.
Com efeito, a teoria do ordenamento jurídico de Adolf Merkl e Hans Kelsen – independente da aceitação da Teoria Pura como fundamento ontológico do Direito – é por todos reconhecida como instrumento eficaz de lógica e técnica jurídica, o que impede que a edição de normas administrativas (resoluções, instruções, portarias, convênios etc.) atropele normas de hierarquia superior, violando, como no caso, preceitos constitucionais.
Assim, além da inconstitucionalidade manifesta do convênio, há que se repensar e exigir a observância à hierarquia das normas jurídicas como supedâneo da segurança jurídica e da essência do próprio Estado Democrático de Direito.