Irretroatividade da lei complementar 118
por Rodrigo Martone
Associado sênior da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados. Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, especialista em Direito da Economia e da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e mestre em Direito Tributário pela Georgetown University, Washington, D.C. (Graduate Tax Scholarship).
por Alice Marinho
Assistente da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados. Graduanda pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
INTRODUÇÃO
Depois de muita expectativa por parte dos contribuintes, finalmente foi publicada, no último dia 11 de outubro de 2011, a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (“STF”) no Recurso Extraordinário (“RE”) 566.621/RS que analisou a constitucionalidade do artigo 4º da Lei Complementar (“LC”) 118/05.
Apenas para relembrar a discussão, a LC 118/05 havia reduzido de 10 (dez) para 5 (cinco) anos o prazo que o contribuinte dispunha para a recuperação de tributos sujeitos ao lançamento por homologação indevidamente recolhidos.
Apesar da LC 118/05, publicada em 9 de fevereiro de 2005, possuir um período de vacatio legis de 120 dias (isto é, os seus termos deveriam produzir efeitos apenas após 9 de junho de 2005), a segunda parte do artigo 4º da referida lei mencionava que a redução do prazo de prescrição, por tratar de questão meramente interpretativa, deveria ser aplicada retroativamente a todos os contribuintes, conforme a regra prevista no artigo 106, inciso I, do Código Tributário Nacional (“CTN”)[1].
A jurisprudência, durante determinado período, oscilou em decisões favoráveis e contrárias aos contribuintes até que a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), em sede de Argüição de Inconstitucionalidade nos Embargos de Divergência no Recurso Especial (“RESP”) nº 644.736/PE, reconheceu a inconstitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da LC 118/2005, que determinava a aplicação retroativa do novo prazo de prescrição de 5 (cinco) anos.
Com base nesse entendimento firmado pela Corte Especial, a Primeira Seção do STJ proferiu a decisão no RESP nº 1.002.932/SP, julgado pela sistemática de Recurso Representativo de Controvérsia, prevista no parágrafo sétimo, do artigo 543-C, do Código de Processo Civil, que entendeu ser a data do pagamento indevido o marco para aplicação do novo prazo de prescrição de 5 (cinco) anos estabelecido pela LC 118/2005.
Posteriormente, seguindo a linha do que foi decidido pelo STJ, o STF também se manifestou pela inconstitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da LC 118/2005, quando do julgamento do RE 566.621/RS. No entanto, conforme se verificará abaixo, o marco estabelecido pelo STF para a aplicação do novo prazo de prescrição de 5 (cinco) anos estabelecido pela LC 118/05 foi outro.
O ENTENDIMENTO DO STJ versus O ENTENDIMENTO DO STF
Conforme já mencionado acima, a questão sobre a constitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da LC 118/05 foi analisada pela Primeira Seção do STJ quando do julgamento do RESP nº 1.002.932/SP. Naquela oportunidade, o STJ reconheceu a inconstitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da LC 118/05 e estabeleceu que o prazo para o contribuinte pleitear a restituição dos tributos recolhidos indevidamente deveria ser aplicado de acordo com a data em que foi recolhido o tributo.
Em outras palavras, os contribuintes teriam o prazo de (a) 5 (cinco) anos para pleitearem a devolução dos recolhimentos efetuados indevidamente a partir de 9 de junho de 2005 e (b) 10 (dez) anos para pleitearem a devolução dos recolhimentos indevidos efetuados anteriormente a 9 de junho de 2005, limitado a 5 (cinco) anos do início da vigência da LC nº 118/05, ou seja, 9 de junho de 2010.
Na ótica da Primeira Seção do STJ, a LC 118/05 claramente criou novo direito, não se configurando como lei meramente interpretativa, de forma que as disposições sobre o novo prazo prescricional de 5 (cinco) anos não se aplicam até sua entrada em vigor. Além disso, a Primeira Seção também entendeu que a LC 118/2005 violou os princípios da autonomia e independência dos poderes, bem como o princípio da garantia do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da coisa julgada.
Posteriormente, o Plenário do STF analisou essa mesma questão seguindo a linha já adotada pelo STJ e negou provimento ao RE nº 566.621/RS, apresentado pela União Federal, por maioria de votos (5 x 4 a favor dos contribuintes)[2], sob a relatoria da ministra Ellen Gracie, reconhecendo a inconstitucionalidade da segunda parte do artigo 4º da LC nº 118/05.
Basicamente, o entendimento que prevaleceu no Plenário do STF foi o de que a LC nº 118/05 não se caracteriza como lei interpretativa e, ainda, inovou na ordem jurídica ao reduzir o prazo prescricional para a recuperação de tributos recolhidos indevidamente pelo contribuinte, razão pela qual deve submeter-se aos condicionamentos de qualquer lei nova, não podendo retroagir para atingir situações pretéritas. Nesse sentido, os ministros do STF entenderam que a aplicação retroativa da LC 118/05 fere o princípio da segurança jurídica, em especial os princípios da proteção da confiança e da garantia ao acesso à Justiça, que são a ele vinculados.
Houve, entretanto, um ponto específico sobre o qual o Plenário do STF divergiu com relação ao posicionamento anteriormente manifestado pela Corte Especial do STJ. O STF entendeu que o prazo de vacatio legis de 120 dias previsto na LC 118/05 permitiu que os contribuintes não apenas tomassem ciência do novo prazo, mas também que ajuizassem as ações necessárias em busca da tutela dos seus direitos. Com isso, o STF utilizou uma regra de transição muito menos benéfica do que aquela utilizada pelo STJ (data do ajuizamento da ação versus data do recolhimento indevido).
Em seu voto, para fundamentar o entendimento de que o prazo de vacatio legis previsto na LC 118/05 seria suficiente para que os contribuintes ajuizassem as ações pleiteando a restituição de tributos recolhidos indevidamente, a ministra Ellen Gracie citou precedentes anteriores do STF como o julgamento realizado sobre a Lei 2.437/55, a qual reduziu diversos prazos estabelecidos pelo Código Civil de 1916 (relativo ao usucapião, por exemplo), em que foi firmado o mesmo entendimento de que no prazo de vacatio legis foi dada oportunidade suficiente aos interessados para ajuizarem suas ações. A ministra relatora também citou a Súmula nº 445 do STF, que dispõe acerca da aplicação do prazo prescricional estabelecido por essa mesma lei, dizendo ser a mesma aplicável às prescrições em curso na data de sua vigência, exceto quanto aos processos que já estavam pendentes.
Com relação ao entendimento da ministra relatora, acompanharam-na integralmente os ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Brito e Cezar Peluso. O ministro Luiz Fux, antigo integrante do STJ que participou do julgamento do RESP nº 1.002.932/SP, apesar de ter acompanhado integralmente o voto da relatora no sentido de que a LC 118/2005 inovou e não poderia ter efeitos retroativos, fez a ressalva de que o prazo de 5 (cinco) ou de 10 (dez) anos deveria ser aplicado de acordo com a data do pagamento indevido, conforme decidido pela Corte Especial do STJ.
Dessa forma, por maioria de votos, ficou decidido pelo STF que apenas os contribuintes que ingressaram com medida judicial pleiteando a restituição de tributos até 9 de junho de 2005 têm direito à sistemática dos 10 (dez) anos. Por outro lado, os contribuintes que ingressaram com ação depois de 9 de junho de 2005 têm direito apenas à sistemática de 5 (cinco) anos para a recuperação dos tributos recolhidos indevidamente, independentemente se o recolhimento foi realizado antes da entrada em vigor da LC 118/05.
É importante ressaltar que, muito embora esse julgamento tenha sido realizado pelo Plenário do STF, o RE nº 566.621/RS não foi julgado sob a sistemática de repercussão geral, o que gerou dúvida se essa decisão seria definitiva, já que ainda existia outro RE, de nº 561.908, pendente de julgamento, que analisava com repercussão geral o mesmo tema envolvendo a LC 118/05, cujo Relator era o ministro Marco Aurélio.
Essa dúvida, porém, foi solucionada com a disponibilização da decisão proferida no RE nº 561.908. O ministro Marco Aurélio, em decisão monocrática, negou seguimento ao recurso da União Federal e fez referência expressa ao que foi decidido no RE nº 566.621, de relatoria da ministra Ellen Gracie, deixando claro que naquele julgamento fora firmado o precedente do STF a ser observado pelos contribuintes.
Vale ainda mencionar que em 17 de outubro de 2011 foi apresentada uma petição no RE nº 566.621, por terceiros interessados, que não são partes do processo, suscitando uma questão de ordem. A questão de ordem suscitada está relacionada ao fato de que os ministros que participaram do julgamento do RE nº 566.621, com exceção da ministra Ellen Gracie e do ministro Luiz Fux, não se pronunciaram expressamente em seus votos quanto aos efeitos da LC 118/05, isto é, a data que deveria ser observada para a aplicação do novo prazo de prescrição de 5 (cinco) anos. Referida questão de ordem ainda não foi analisada e há a possibilidade de sequer ser conhecida pelo STF, uma vez que os contribuintes que apresentaram a petição não são partes do processo e nem figuram como amicus curiae.
CONCLUSÃO
Diante do exposto acima, levando em consideração as decisões proferidas nos REs nºs 566.621 e 561.908, nos parece que a questão quanto à irretroatividade da LC 118/05 está devidamente pacificada no âmbito do STF, devendo os contribuintes considerarem o prazo prescricional de 10 (dez) anos para as ações ajuizadas até 9 de junho de 2005 e de 5 (cinco) anos para as ações ajuizadas a partir de 9 de junho de 2005.
Infelizmente, aqueles contribuintes que não se precaveram e não buscaram a tutela do Poder Judiciário durante o período de vacatio legis da LC 118/05, acabaram por perder a oportunidade de reaver muitos valores recolhidos indevidamente aos cofres públicos.
[1] “Artigo 106 – A lei aplica-se a ato ou fato pretérito:
I – em qualquer caso, quando seja expressamente interpretativa, excluída a aplicação de penalidade à infração dos dispositivos interpretados”.
[2] Votaram a favor dos contribuintes, em conjunto com a relatora do caso, ministra Ellen Gracie, os ministros Ricardo Lewandowski, Ayres Britto, Cezar Peluso e Luiz Fux. Votaram contrariamente aos interesses dos contribuintes os ministros Marco Aurélio, Dias Toffoli, Carmen Lucia e Gilmar Mendes.