A problemática da conceituação de insumo para fins de tomada de créditos de PIS e COFINS.
por Valter de Souza Lobato
Sócio de Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Mestre e Doutorando em Direito Tributário na UFMG. Professor Universitário.
por Fernando D. de Moura Fonseca
Sócio de Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Mestrando em Direito Econômico e Financeiro na USP. Contador.
por Frederico Menezes Breyner
Sócio de Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Mestre em Direito Tributário pela UFMG. Professor Universitário.
Introdução
O regime não-cumulativo das contribuições ao PIS e a COFINS, constante das Leis nº 10.637/02 e 10.833/03 foi instituído diante de forte apelo das empresas por uma melhor distribuição da carga tributária ao longo da cadeia produtiva, o que poderia ocorrer por meio de uma tributação não-cumulativa, com base em um sistema de créditos e débitos.
Se é verdade que o Governo Federal cedeu aos apelos dos contribuintes, também deve ser destacado que a instituição do regime da não-cumulatividade pressupôs a manutenção do nível de arrecadação[1]. Em outros termos, a distribuição da carga tributária ao longo da cadeia produtiva, através de um sistema de creditamento, não poderia diminuir o valor arrecadado das referidas contribuições pelo regime cumulativo de cobrança (e nem aumentar) [2]. Nesse contexto, as alíquotas do PIS e da COFINS passaram de 0,65% e 3%, respectivamente, para 1,65% e 7,6%, com direito à tomada dos créditos previstos na legislação.
Todavia, a generalidade dos casos vem demonstrando que os créditos permitidos não são capazes de compensar o aumento das alíquotas, o que implica em aumento da carga tributária efetiva[3], além do aumento da complexidade, fazendo com que muitos se arrependessem da reivindicação feita naquele momento. Além disso, o perfil de tais tributos, numa base alargada como a de receitas não se coaduna com o perfil dos tributos indiretos, aumentando ainda mais a complexidade e as distorções de tal regime.
Não bastassem as restrições impostas pela própria legislação, a regulamentação da matéria pela Receita Federal do Brasil buscou restringir ainda mais o alcance da não cumulatividade, numa interpretação equivocada de tal princípio, ora restringindo o uso de créditos legítimos (como o custo dos fretes entre os estabelecimentos), ora restringindo o conceito de insumos para fins de creditamento. Para a autoridade administrativa, o conceito de insumo a ser aplicado para fins de creditamento do PIS/COFINS é aquele vigente para o IPI[4]. E é exatamente esse conceito de insumo que ora se pretende analisar.
A lógica adotada nos atos regulamentares é de que apenas é insumo aquilo que seja fisicamente conectado pelo consumo direto na fabricação do produto final[5]. É a lógica do IPI, imposto que adota o regime do crédito físico, admitindo o creditamento apenas pela aquisição de bens que integram o produto final, aliás, lógica esta abandonada décadas atrás pelos países que possuem Impostos sobre o Valor Agregado.
Felizmente, é possível perceber que o Poder Judiciário e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) estão sensíveis à questão, o que se verifica pelo crescente número de decisões que estabelecem o correto conceito de insumo, ou simplesmente adequadas à ratio da norma que instituiu o sistema de créditos[6], o que tende a diminuir as distorções verificadas pelo aumento das alíquotas das contribuições em questão.
O conceito de insumo para a legislação do PIS e da COFINS. A visão restritiva da RFB
Como mencionado acima, a RFB, com a finalidade de regulamentar as Leis nº 10.637/02 e 10.833/03, editou instruções normativas[7] e respondeu a consultas[8] formuladas por contribuintes restringindo o conceito de insumo às matérias primas, produtos intermediários, materiais de embalagem e demais bens consumidos no processo produtivo em decorrência do contato físico com o produto em fabricação. Enfim, buscou na legislação do IPI o parâmetro para os créditos de PIS/COFINS, numa visão absolutamente restrita e ultrapassada do princípio da não-cumulatividade.
O equívoco está na origem, seja porque o mundo já adota um conceito de não cumulatividade muito mais ligado à essencialidade do insumo no processo produtivo, seja na simples desconsideração do fato de que o PIS e a COFINS gravam materialidades absolutamente distintas do IPI, não se mostrando válida a eleição do parâmetro, pelo menos não em termos tão restritos. O IPI é um imposto que busca tributar a ocorrência de uma operação específica, a de industrialização, enquanto as referidas contribuições incidem sobre a totalidade das receitas auferidas pelo sujeito passivo, o que tende a abranger um sem número de operações.
Não seria equivocado dizer que o espectro de tributação do PIS e da COFINS é bem mais amplo até mesmo que os do IRPJ e da CSLL. Enquanto aqueles, insista-se, gravam as receitas, estes partem delas para tributar o lucro auferido.
A remissão à legislação do IPI para obtenção do conceito de insumo, como adverte RIBEIRO[9], caracteriza uma desastrosa mescla do sistema ‘imposto sobre imposto’ com a sistemática ‘base sobre base’. Ainda que se possa admitir a existência de lacuna quanto ao conceito de insumo na legislação do PIS/COFINS, a busca desse conceito na legislação de outros tributos deve se dirigir àquelas exações cujas estruturas mais se aproximem à do PIS e COFINS.
A não-cumulatividade no PIS e COFINS se presta a afastar da receita tributável os gastos necessários à sua obtenção, sejam elas referentes a insumos, ativos ou materiais de uso e consumo, destinados direta ou indiretamente à atividade da empresa.
Com efeito, se sem a aquisição de determinado bem ou serviço for impossível realizar o processo industrial, as vendas ou prestação dos serviços, não há dúvidas de que o mesmo é aplicado na atividade econômica que gera a receita tributada, motivo pelo qual a despesa incorrida, desde que esteja no âmbito de alcance de tais contribuições, junto à outra pessoa jurídica gera direito ao crédito de PIS e COFINS.
Argumentar em sentido contrário é permitir que a despesa do contribuinte adquirente do bem ou tomador do serviço, que nada mais é do que a receita tributada na pessoa do alienante/prestador, e que carrega consigo o ônus das contribuições, seja novamente tributada na pessoa do adquirente/tomador ao ser incluída no custo que compõe sua receita tributada.
Conclui-se, portanto, que, sob pena de ferir-se a não-cumulatividade, o conceito de insumo deve ser buscado junto à identidade estrutural do próprio tributo a ela relacionado (PIS e COFINS). E essa identidade demonstra que insumo é todo bem ou serviço necessário à obtenção de receitas pela empresa, excetuadas as restrições expressamente previstas na legislação.
O atual entendimento dos tribunais administrativos e judiciais
Como já era esperado, a divergência entre Fisco e contribuintes acerca do conceito de insumo para fins de crédito de PIS e COFINS tem gerado um enorme contencioso, seja no âmbito administrativo, seja na esfera judicial.
O CARF, muito embora caminhasse no sentido de confirmar o entendimento restritivo da RFB, tem proferido julgamentos no sentido de caracterizar como insumo as despesas essenciais à atividade do sujeito passivo. Conceito significativamente mais amplo que aquele do IPI (adotado pela RFB), e mais restrito que o conceito de despesa necessária do IRPJ.
Destaque para o acórdão n° 203-12.741 de 2008, no qual o CARF reconheceu a possibilidade de aproveitamento de créditos de PIS/COFINS advindos da contratação de seguros, uma vez que os mesmos se inseriam no conceito de insumo de acordo com a legislação do IRPJ. Vale ressaltar trecho do voto do relator, no qual fica evidenciado o posicionamento quanto à legitimidade dos créditos aproveitados, já que intrinsecamente relacionados às atividades da pessoa jurídica.
Recentemente, o CARF (Processo Administrativo nº 11020.001952/2006-22, DOU de 27.06.2011) proferiu decisão no sentido de afastar a aplicação do conceito de insumo previsto na legislação do IPI, exatamente por levar em consideração tratar-se de imposto com materialidade distinta do PIS e da COFINS. O relator do acórdão, além de afastar o conceito de insumo da legislação do IPI, admitiu que o correto seria buscar na legislação do IRPJ o conceito de despesa dedutível para definição do conceito de insumo gerador de crédito das contribuições.
A questão também foi recentemente decidida pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF). Em 09.11.2011, foram julgados os recursos especiais dos PTAs nº 13053.000112/2005-15 e 13053.000211/2006-72, tendo sido fixado, por maioria, o entendimento de que os insumos passíveis de tomada de crédito de PIS e COFINS são os produtos e serviços diretamente relacionados à atividade da pessoa jurídica, ainda que não venham a ser consumidos ao longo do processo produtivo. Note-se que o conceito de insumo da legislação do IPI foi afastado, não tendo sido, no entanto, alargado o conceito a ponto de se adotar como parâmetro o conceito de despesa necessária do IRPJ.
No âmbito judicial, inicialmente caminhou-se na restrição ao conceito de insumo.[10] Entretanto, fundamentando-se na inadequação dos conceitos restritivos previstos na legislação do IPI, é possível perceber-se tímidas, mas relevantes, alterações no entendimento jurisprudencial acerca do tema.
Tal mudança pode ser ilustrada, fundamentalmente, pela recente decisão proferida pelo TRF da 4ª Região, a qual expandiu o entendimento do conceito ora discutido, permitindo o creditamento de insumos atualmente não abarcados pela conceituação da Receita Federal. Trata-se da Apelação Cível n° 0029040-40.2008.404.7100/RS, relatada pelo Desembargador Joel Ilan Paciornik, que rechaça a interpretação restritiva da Receita, defendendo a incompatibilidade do IPI e do ICMS como fundamentação base para se buscar o conceito de insumo para fins de creditamento do PIS e da COFINS.
Estruturalmente, o acórdão parte da desconstrução da aplicabilidade do IPI e do ICMS como base para conceituação de insumos no âmbito do PIS/COFINS. Passa-se, então, a questionar a interpretação oferecida pelas IN RFB n° 404 e 247. Por fim, chega-se à conclusão pela aplicabilidade da legislação do IRPJ a fim de suprir a lacuna deixada pelo legislador. A relevância da decisão reside justamente no reconhecimento da insuficiência do conceito trazido pela legislação do IPI. Ademais, trata-se de acórdão em linha com recentes precedentes do CARF.
Por fim, imprescindível citar caso já levado à jurisdição do Superior Tribunal de Justiça, no qual se pleiteou o direito de aproveitamento de créditos de PIS/COFINS advindos da aquisição de materiais de limpeza e desinfecção e serviços de dedetização aplicados no ambiente produtivo de empresa cujo objeto envolve a indústria alimentícia.
Trata-se do REsp n° 1246317, de onde surgiu posicionamento inédito quanto à desconsideração da interpretação proposta pelas Instruções Normativas da RFB, sendo que três – entre os cinco que compõem a 2ª turma – aceitaram o aproveitamento destes créditos, indicando importante vitória aos contribuintes.
Conclusões
Do exposto, pode-se concluir que a utilização da legislação do IPI para fins de conceituação de insumo nas hipóteses de crédito de PIS/COFINS vem sendo aos poucos superada pela jurisprudência administrativa e judicial.
Não temos dúvidas em afirmar que os últimos precedentes criam um alento para dar efetividade ao princípio da não cumulatividade, posto no Texto Constitucional e na legislação das contribuições PIS e COFINS, buscando abarcar no creditamento os bens e serviços que sejam essenciais ao processo produtivo, servindo tal parâmetro para a conceituação de insumo.
[1] É verdade que não se poderia esperar que o aumento das alíquotas e a concessão de créditos tivesse o efeito exato de manter uma alíquota efetiva de 3,65%. No entanto, as distorções verificadas na prática em razão da restrição à tomada de créditos demostra um desproporcional aumento da arrecadação, o que parece violar o princípio da capacidade contributiva e da confiança legítima do contribuinte.
[2] É o que se depreende da leitura da Exposição de Motivos da MP nº 66, posteriormente convertida na Lei nº 10.637/02.
[3] Em caso extremo, no qual se verificou um aumento desproporcional da carga tributária efetiva em razão do aumento das alíquotas, o Poder Judiciário cuidou de permitir que o contribuinte voltasse a se submeter ao regime da cumulatividade. Vide: TRF4, AC 2004.71.08.010633-8, Segunda Turma, Relator Leandro Paulsen, D.E. 25/04/2007.
[4] Tal entendimento está expresso na IN/RFB nº 404/04.
[5] A fala já demonstra a incompatibilidade, pois no PIS e COFINS os eventos tributáveis não se resumem à fabricação de produtos, alcançando a prestação de serviços que, por definição, não necessariamente geram bens materiais.
[6] TRF4, AC 0029040-40.2008.404.7100/RS, Primeira Turma, Relator Joel Ilan Paciornik, D.E. 14/07/2011.
[7] Vide as INs nº 247/02 e 404/04.
[8] Vide Solução de Consulta nº 96, de 2011.
[9] RIBEIRO. Ricardo Lodi. A não-cumulatividade do PIS e da COFINS. In: RIBEIRO. Ricardo Lodi. Temas de Direito Constitucional Tributário. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 358.
[10] A título de exemplo, cite-se entendimento do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região, responsável pela jurisdição na região sul do país: PIS. COFINS. NÃO-CUMULATIVIDADE. CREDITAMENTO DE INSUMO. LEIS Nº 10.637/2002 E 10.833/2003.A nova sistemática de tributação não-cumulativa do PIS e da COFINS, prevista nas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, confere ao sujeito passivo do tributo o aproveitamento de determinados créditos previstos na legislação, excluído sos contribuintes sujeitos à tributação pelo lucro presumido.Insumo é tudo aquilo que é utilizado no processo se produção e, ao final,integra-se ao produto, seja bem ou serviço. Desse modo, a vigilância e a limpeza, a publicidade, o aluguel e a energia elétrica não são insumosdos prestadores de serviços. Se o legislador quisesse alargar o conceito de insumo para abranger todas as despesas do prestador de serviço, o artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003 não traria um rol detalhado de despesas que podem gerar créditos ao contribuinte.O conceito de insumo esposado na IN SRF n.º 404/04 está de acordo com a legislação pertinente, uma vez que restringe o creditamento aos elementos que compõem diretamente o produto ou serviço e não à atividade geral da empresa. (TRF4 – AC – APELAÇÃO CIVEL – 200772010007910 – 21/10/2008).