STF julga responsabilidade de sócio
por Carlos Henrique Tranjan Bechara
Professor de Direito Financeiro e Tributário da PUC-Rio. Mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes. Advogado. Sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados, na área tributária.
por Katharina Pinto Guimarães
Advogada. Especializada em Processo Fiscal. Associada do escritório Pinheiro Neto Advogados, na área tributária.
No dia 4 de outubro de 2011, a 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 608.426, de relatoria do Ministro Joaquim Barbosa, anunciou um importante precedente para sócios e administradores que tiveram contra si imputada a responsabilidade tributária pelo pagamento de dívidas tributárias de suas empresas. Por meio da decisão proferida por ocasião do julgamento do referido agravo regimental, a 2ª Turma consubstanciou seu entendimento uníssono no sentido de que os sócios e administradores só podem ser responsabilizados pelas dívidas tributárias de suas empresas, em sede de execução fiscal, na hipótese de terem participado do processo administrativo que deu origem ao título executivo.
Tal entendimento, ditado pelo Ministro Joaquim Barbosa, e acompanhado, à unanimidade, pelos ministros que compõem a 2ª Turma da Suprema Corte, levou em consideração os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, assegurados pelos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição Federal de 1988.
Conforme estabelecido no artigo supracitado, ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal, sendo assegurado aos litigantes os direitos à ampla defesa e ao contraditório, com os meios e recursos a ela inerentes, tanto no processo judicial como no processo administrativo.
Assim, a inclusão dos sócios e administradores como responsáveis pela dívida tributária da empresa apenas na esfera judicial — após esgotada a discussão na via administrativa — caracteriza verdadeira limitação ao direito constitucionalmente assegurado à ampla defesa e ao contraditório.
Os princípios constitucionais acima referidos, que embasaram o entendimento firmado pela 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, se apresentam como uma garantia de os litigantes apresentarem defesa técnica e pleitearem a produção de provas, bem como de se pronunciarem a respeito de seu resultado, tanto na via administrativa como na judicial, de modo a comprovar que as obrigações tributárias que lhes estão sendo imputadas não resultam de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, afastando as hipóteses de responsabilidade tributária previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional.
Em matéria tributária, garantir que os sócios e administradores tenham a oportunidade de se defender contra as dívidas tributárias de suas empresas que lhes sejam imputadas, ainda na esfera administrativa, é de extrema relevância. Isto porque os órgãos julgadores administrativos são, em regra, órgãos técnicos, de deliberação coletiva, com participação paritária de servidores públicos e representantes dos contribuintes, o que garante um julgamento técnico a respeito das exigências tributárias.
Ademais, para se insurgir contra uma execução judicial para cobrança da dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias o executado tem, em regra, que opor embargos, nos moldes previstos na Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980 (“Lei de Execuções Fiscais”), sendo necessário, para tanto, o oferecimento de garantia, no valor do crédito tributário exigido. Tal exigência legal pode se tornar extremamente onerosa para sócios e administradores que tenham contra si ajuizadas execuções fiscais para a cobrança de dívidas das suas empresas, cujos valores podem ultrapassar, em muito, seus patrimônios pessoais, podendo ser inviável a discussão da dívida diante da impossibilidade de garantia do valor executado.
A esse respeito, é importante destacar que atualmente os sócios e administradores têm tido a oportunidade de, na via judicial, se defender por meio de exceção de pré-executividade, instrumento de defesa que vem sendo admitido pela jurisprudência pátria para a discussão da validade do crédito tributário objeto de execução fiscal sem o oferecimento de garantia, desde que a matéria de defesa se resuma a questões de ordem pública ou que não demande dilação probatória. Ainda assim, é imperioso notar que tal instrumento não tem previsão legal e que o escopo da defesa — se aceita pelo juiz — é extremamente limitado, pelo que assegurar-lhes o direito ao exercício da ampla defesa e do contraditório na esfera administrativa se torna fundamental, como bem reconheceu o Supremo Tribunal Federal no caso em análise.
Cumpre observar que, no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Extraordinário nº 608.426, apurou-se que os sócios tiveram plena possibilidade de exercer o seu direito de defesa, impugnando o crédito tributário, ainda na via administrativa, pelo que a Suprema Corte não reconheceu qualquer irregularidade no redirecionamento da execução fiscal aos responsáveis tributários.
Ainda assim, a decisão em questão foi recepcionada com bons olhos por sócios e administradores que se encontram em situação de atribuição de responsabilidade de tributária por dívidas de suas empresas e também pelos advogados que atuam na área tributária, na medida em que representa a primeira manifestação do Supremo Tribunal Federal a respeito do tema, contrariando entendimento anteriormente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial nº 1.104.90, de relatoria da Ministra Denise Arruda.
Ao julgar o referido recurso especial, afetado pela sistemática dos recursos repetitivos, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que “se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN”.
Note-se que, ao julgar o Recurso Especial nº 1.104.90, em abril de 2009, o Superior Tribunal de Justiça criou um precedente no sentido de ser possível responsabilizar os sócios e administradores incluídos na certidão de dívida ativa, deixando de considerar se os mesmos tiveram a oportunidade de exercer seu direito de defesa na esfera administrativa.
De acordo com tal entendimento, bastaria que o nome do sócio ou do administrador constasse no título executivo, para que lhe fosse atribuído o ônus de provar que não se enquadrava nas hipóteses de responsabilidade tributária previstas no artigo 135 do Código Tributário Nacional. Em outras palavras, desde que figurasse na certidão de dívida ativa – independentemente de ter sido citado do processo administrativo – o sócio ou administrador teria que provar que não agiu com excesso de poderes ou infringiu a lei, o contrato social ou o estatuto da empresa.
É notório que as Fazendas Públicas, corriqueiramente, lavram autos de infração apenas contra as empresas e, posteriormente ao término da discussão a respeito da validade da exigência fiscal na esfera administrativa, chamam os sócios e administradores para responderem pela dívida, pelo que os mesmos ficam cerceados no exercício do direito à ampla defesa e ao contraditório na esfera administrativa.
Nesse cenário, a recente decisão prolatada pelo Supremo Tribunal Federal fixou um norte fundamental a respeito do tema.