CUSTO BRASIL E SEGURANÇA JURÍDICA: A DICOTOMIA ENTRE TEORIA E PRÁTICA NA TRIBUTAÇÃO DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS DE COST SHARING

por Fabio Luiz Gomes Gaspar de Oliveira
 Especialista em tributação de E&P
LLM em Estado e da Economia pela FGV Direito Rio
MBA em Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade pela UFF
Paulo Jóse Nunes de Matos
 Especialista em tributação de E&P
LLM em Estado e da Regulação pela FGV Direito Rio
pós-graduado em Direito Tributário pela PUC-Rio. [1]

A CONCEITUAÇÃO DE REEMBOLSO DE DESPESAS

Para que se possa avaliar as repercussões tributárias de qualquer fato econômico antes é preciso avaliar a natureza jurídica de tal evento, sob pena de não se atingir o objetivo almejado ou, pior, fazê-lo de maneira metodologicamente inválida e com resultado injurídico.

Com efeito, enfrenta-se, então, a tarefa de avaliar os elementos juridicamente relevantes do reembolso de despesas. A acepção gramatical indica que o respectivo fenômeno advém de resposta a fato anterior consistente de gasto efetivado por outrem e que, por ajuste obrigacional, deve ser  recomposto. Assim, trata-se de indenização oriunda de contrato.

Indenização é fenômeno reconhecido pelo direito e cuja etimologia deriva do termo latino in dene, significando restabelecer a situação anterior a determinado evento. Ou seja, tornar indene aquele que sofreu dano ou perda.

Na esteira desse raciocínio, extrai-se que quem reembolsa despesa de alguém não se lhe está fazendo mais do que recompor dano ou perda anterior, revelando-se não tratar de nova riqueza; ao menos no que toca à parcela reembolsada com liame ao respectivo desembolso, não sendo irrazoável, contudo, que de ajuste advenha também parcela adicional concernente a trabalho ou benefício que, este sim, se caracterizará como lucrativo.[2]

E é do arranjo jurídico e factual que doravante se avaliará os potenciais impactos fiscais.

IRRF?

O Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, com matriz legal e constitucional nos artigos 43, do CTN, e 153, III, da CF, respectivamente, objetiva tributar a disponibilidade econômica ou jurídica de renda oriunda do produto do capital ou do trabalho, bem como proventos de qualquer natureza. Naturalmente, o sujeito passivo do tributo é quem aufere a renda ou o provento, mas o art. 45, parágrafo único, do CTN, prevê a possibilidade de atribuir à fonte pagadora a condição de responsável pela retenção e recolhimento do imposto. Tal retenção, contudo, é regulada por diversas normas esparsas e fontes integrativas, indo desde Leis Ordinárias e Instruções Normativas até entendimentos formais emanados pela RFB.

Nesse contexto, importa relevar a importância do imposto em testilha para a discussão ora trazida acerca da tributação do reembolso internacional de despesas, efetivado pela via da retenção, posto que da aplicação das normas acima deriva grande controvérsia.[3]

Ocorre que, conforme verificado da análise da natureza jurídica do reembolso de despesas realizada alhures, resta inconteste que o reembolso de despesas não revela pagamento de riqueza nova ou, na linguagem que normatiza o fato gerador, disponibilidade de renda oriunda do produto do capital ou do trabalho ou de provento. Não à toa, a jurisprudência do STJ acerca de reembolso de despesas é expressiva no sentido de que “(…)reembolsos que se pretende façam parte dos serviços não podem vingar, simplesmente porque são serviços prestados por terceiros, sem qualquer relação direta com a atividade principal exercida(…)”[4] e que imprescindível a “(…) distinção de valores pertencentes a terceiros (…) e despesas, que pressupõem o reembolso. Distinção necessária entre receita e entrada para fins financeiro-tributários. Precedentes do E STJ acerca da distinção.”[5].

Por outro lado, a própria RFB, em sede de Solução de Divergência versando sobre o IRPJ e PIS/Cofins, já reconheceu que “o fato de a unidade centralizadora dos custos e despesas receber das unidades descentralizadas as importâncias que inicialmente suportou, em benefício destas, não configura receita, mas simplesmente reembolso dos valores adiantados”[6].

E que não se diga, apenas por amor ao debate, que a exigência de IRRF sobre reembolso de despesas internacionais carece de tratamento diverso do que acima dado pela jurisprudência e pela própria RFB, como superficialmente faz parecer algumas manifestações desta última.[7]

Ao revés, da leitura atenta revela-se que o que é tributado pelo IRRF nas remessas internacionais deve ser tão somente a parcela dos respectivos pagamentos compreendidos dentro do ajuste de reembolso de despesas que se refira a prestações subcontratadas de empresas terceiras e cuja recobrança é feita da empresa remetente. Nessa hipótese, poderia se dizer não tratar de reembolso de despesas puro mas sim a subcontratação de um serviço prestado por empresa terceira quando, se diretamente contratada, estaria sujeita ao IRRF. É o que resta claro da leitura, a contrário senso, do seguinte excerto: “na hipótese em que uma pessoa jurídica no exterior efetue pagamento de serviços prestados por outra, também no exterior, em favor de uma terceira, localizada no Brasil, a remessa ao exterior pela entidade legal brasileira à primeira pessoa jurídica, a titulo de reembolso, deverá sofrer retenção de imposto de renda na fonte”[8].

Ainda assim, dado que de fato a remessa é, na essência, para cobrir reembolso de despesa sobre a qual não haveria margem, ainda que na hipótese de serviço prestado por terceiro, juridicamente se perdeu o liame que há entre remetente e recipiente a desafiar a incidência do imposto a ser retido, o que desautorizaria a sua exigência.

Dessa forma, tendo em conta que o núcleo duro do imposto, como visto acima, versa sobre a aquisição de renda oriunda do produto do capital ou do trabalho ou de provento, sendo a responsabilidade pela retenção mera técnica arrecadatória, mas que não o desnatura, inconteste a intributabilidade dos reembolsos de despesa internacionais pelo IRRF.

CIDE?

A CIDE-Tecnologia é outro tributo cuja incidência sobre reembolso internacional de despesas é controvertida. Com efeito, trata-se de contribuição cujo fato gerador é a detenção de licença de uso ou aquisição de conhecimentos tecnológicos com transferência de tecnologia, bem como a contratação que verse sobre serviços técnicos e de assistência administrativa, engendrada com não residentes.

O reembolso internacional de despesas, contudo, não figura no rol legal de atividades tributadas pela contribuição em questão. Nem poderia, considerando a cristalina natureza indenizatória desse tipo de ajuste e cujos valores tão-somente transitam pelas contas do recipiente de forma temporária.[9] A própria RFB já teve oportunidade de esclarecer que “remessas de valores (…) a título de reembolso de despesas (…) não se sujeitam à incidência da contribuição instituída pela Lei no 10.168, de 2000 (…)”[10].

Recente manifestação da Cosit, contudo, parece contradizer a lógica fático-jurídica do reembolso de despesas ao informar que “a posição adotada pela RFB é de que haverá incidência da CIDE-Tecnologia na recuperação de custos internos (…) ou de custos externos (…)”[11].

A controvérsia nesse ponto, conquanto deva seguir o mesmo racional aplicado para os demais tributos afastados no caso de reembolso de despesas, ainda não foi avaliada pelos tribunais superiores.

PIS & COFINS IMPORTAÇÃO?

No âmbito das discussões sobre a incidência ou não do PIS e da Cofins no que diz respeito às remessas à título de reembolso internacional de despesas, faz-se necessário analisar, principalmente, a diferença de conceitos trazida pelas leis 9.718/1998, 10.637/2002 e 10.833/2003 acerca do fato gerador destas contribuições federais daquele introduzido pela Lei 10.865/2004.

Ao legislar sobre as contribuições para as operações ditas locais, tanto a lei 10.637/2002, quanto a 10.833/2003, estabeleceram a incidência do PIS e da COFINS sobre o total de receitas auferidas pela Pessoa Jurídica.

Neste mesmo diapasão, o termo “receita” é elemento fundamental para definir se as entradas à título de reembolso de despesas seriam hábeis à atrair a incidência do PIS e da Cofins. Sobre o tema, Bernardo Ribeiro de Moraes[12] distingue “receita” de uma simples entrada de natureza indenizatória, condição esta atribuída ao reembolso de despesa.

Deste modo, a grande celeuma entre a RFB, a Doutrina e a Jurisprudência do STJ[13] e do CARF[14], reside no reconhecimento de que a rubrica “reembolso de despesas”, apesar de transitar graficamente pela contabilidade das empresas, não pode ser considerada de modo a exprimir traços de capacidade contributiva, vez que se trata de uma mera recomposição do patrimônio da pessoa jurídica, temporariamente reduzido em razão de gastos realizados no interesse de terceiro.

Em que pese o fisco já ter expressado entendimentos anteriores no sentido de que o reembolso de despesas configura receita para fins de incidência de mencionadas contribuições federais, há manifestações[15] de que “as despesas comuns contratadas com terceiros pela empresa controladora, e rateadas entre as empresas do grupo econômico, devem ser consideradas como “redução de despesas” operacionais para fins de apuração do IRPJ, e não comporá a base de cálculo do PIS/PASEP e COFINS”, bem como, que “os valores auferidos pela pessoa jurídica centralizadora de atividades compartilhadas como reembolso das demais pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico pelo pagamento de dispêndios comuns não integram a base de cálculo das contribuições”.

No bojo da Lei 10.865/2004, diploma normativo responsável por regulamentar a incidência do PIS e da Cofins sobre as importações, o legislador, contudo, buscou uma desvinculação entre o fato gerador das contribuições daquele constante nas lei 10.637/2002 e  10.833/2003.

Por força do que estabelece o art. 3º da lei 10.865/2004, o fato gerador do PIS/Cofins Importação será: (i) a entrada de bens estrangeiros no território nacional; ou (ii) o pagamento, o crédito, a entrega, o emprego ou a remessa de valores a residentes ou domiciliados no exterior como contraprestação por serviço prestado.

O pilar principal da discussão sobre a incidência ou não de PIS/Cofins-Importação consiste, então, em definir se as remessas efetuadas ao exterior à título de reembolso de despesa podem ser classificadas, assim como dispõe o Inciso II do Art. 3º da Lei 10.865/2004, como contraprestação por serviço prestado.

Conforme se pisou e repisou acima, o reembolso internacional de despesa não trata de prestação de serviço, menos ainda de remuneração por tanto[16], mas tão somente a recobrança de valores antes desembolsados em favor do remetente visando recompor o status quo ante do recipiente no contexto do respectivo ajuste, afastando-se qualquer interpretação que possa tender à exigência do PIS e da Cofins importação sobre tais remessas ao exterior.[17]

ISS?

No que toca ao ISS, é previsto, por exemplo, nos regulamentos dos Municípios do Rio de Janeiro e de Vitória[18], que o preço do serviço é a base do imposto e que os valores a título de reembolso também seriam considerados para fins de apuração do imposto a pagar.

No entanto, a despeito do que estabelecem, dentre outros, os Regulamentos destacados, a doutrina[19] majoritária não entende que as despesas de reembolso devam integrar o preço do serviço para fins de base de cálculo do imposto.

Tal entendimento é referendado pelo STJ[20], sendo explícito que no reembolso de despesas não há acréscimo patrimonial e, portanto, não devem ser submetidos à tributação do ISS.

Fica evidente, então, que as decisões mencionadas e a própria doutrina respaldam a não incidência do ISS sobre as verbas pagas à título de reembolso de despesas, vez que estas não se confundem com preço dos serviços, fazendo com que os valores recebidos sob tal rubrica não devam ser submetidos também à tributação do ISS.

CONCLUSÃO

Procurou-se na linhas anteriores investigar sob o prisma jurídico a incidência dos tributos usualmente exigidos em sede de remessas internacionais de valores. No processo, identificou-se o fato comum às administrações tributárias competentes de ignorar o direito e exigir com voracidade tributos sobre o reembolso internacional de despesas, conquanto tal transação não revele signo de riqueza suficiente a ser tributado, mas tão somente mera indenização sem caráter de riqueza nova.

Inobstante essa dura realidade, é certo que uma análise detida revela a intributabilidade do reembolso internacional de despesas pelo IRRF, CIDE, PIS, Cofins e ISS.

Referências

BOTTALLO, Eduardo. Base Imponível do ISS e das Contribuições para o PIS e COFINS, Repertório IOB de Jurisprudência – 1ª Quinzena de Dezembro de 1999 – nº 23/1999, Caderno 1, p. 667.

CARRAZA. Roque Antônio. Grupo de Empresas — Autocontrato — Não-incidência de ISS — Questões Conexas”, Revista Dialética de Direito Tributário n° 94, pp. 121 e 129

MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v. I. p. 296.

MORAES. Bernando Ribeiro de Doutrina e Prática do ISS”, Ed. Revista dos Tribunais, 1975, p. 529.

SOARES DE MELLO, José Eduardo. Aspectos Teóricos e Práticos do ISS. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2001.



[1] Este artigo espelha a opinião dos autores, não refletindo necessariamente a posição das instituições que os mesmos representem profissionalmente.

[2] Para José Eduardo Soares de Mello “…fato é que nem todos os valores auferidos pelo prestador de serviço devem ser considerados para quantificação do tributo. Diversos valores não mantém conexão com a quantia acordada como forma de remuneração de serviços, podendo tratar-se de simples recebimentos temporários, ou ingresso de distinta natureza, uma vez que só pode ser considerada como receita aquele valor que integra o patrimônio do prestador.”

 

[3] Exclui-se desta anáise a remessa feita a pessoas domiciliadas em países ou dependências com tributação favorecida e regimes fiscais privilegiados.

[4] REsp 224813 / SP. Relator Ministro JOSÉ DELGADO.

[5] REsp 411580 / SP. Relator Ministro LUIZ FUX.

[6] Solução de Divergência Cosit 23/2013.

[7] Soluções de Consulta 20/13, 8ª Região; 308/12, 8ª Região; 411/12, 7ª Região; e 8/12, Cosit.

[8] Solução de Consulta 8/12, Cosit. Item 15.

[9] Para Eduardo Botallo “(…) os contribuintes (…) têm o direito de não considerar, como receitas próprias, valores que apenas transitam por seus livros fiscais, sem representar, entretanto, acréscimo patrimonial. Tal é o caso, v. g., dos montantes a ele repassados para satisfação de despesas incorridas por conta e ordem de terceiros, ou para pagamento, aos efetivos prestadores, por serviços por eles apenas intermediados”.

[10] Processo de Consulta nº 50/05 – 9ª Região Fiscal.

[11] Solução de Consulta COSIT 43/15.

[12] “O conceito de receita acha-se relacionado ao patrimônio da pessoa.(…) Podemos definir receita como toda entrada de valores que, integrando-se ao patrimônio da pessoa (física ou jurídica, pública ou privada), sem quaisquer reservas ou condições, venha acrescer o seu vulto como elemento novo e positivo.”

[13] “O Tribunal de origem afastou a incidência do PIS e da COFINS, por concluir que “A perícia judicial demonstrou que não houve ganho sobre o reembolso efetuado, ou seja, houve diferença, mas para menor e não para maior. Ademais, não se trata de prestação de serviços, já que, in casu, não há caráter econômico, mercantil, visando ao lucro, porque as despesas de rateio a serem reembolsadas não são relacionadas diretamente à atividade-fim da holding”. AgRg no AREsp 572862 / CE. Relator Ministro HUMBERTO MARTINS.

[14] “EMENTA: PIS/COFINS – RECEBIMENTO DE VALORES A TÍTULO DE RATEIO DE DESPESAS – NATUREZA DE RECUPERAÇÃO DE CUSTOS/DESPESAS – INAPLICABILIDADE DO CONCEITO DE RECEITA – O pressuposto de incidência do PIS e da COFINS é o aferimento de receitas, não podendo haver a incidência das contribuições, pois, no mero ingresso de recursos em que a entidade empresarial está, tão somente, recebendo de terceiros valores a ele imputável em função do rateio de custos/despesas entre as partes estipulado.” 1o CC, Acórdão n. 107-08.710, julgado em 17.08.2006.

[15] Solução de Consulta nº 38/2011, da 9ª Região Fiscal, e Solução de Divergência 23/2013.

[16] Para José Eduardo Soares de Mello“Diversos valores não mantém conexão com a quantia acordada como forma de remuneração de serviços, podendo tratar-se de simples recebimentos temporários, ou ingresso de distinta natureza, uma vez que só pode ser considerada como receita aquele valor que integra o patrimônio do prestador”.

[17] E sentido contrario, vide Solução de Consulta DISIT/SRRF08 73/2013.

[18] Respectivamente art. 10, §1º, do Decreto nº 10514/91 e art. 4º do Decreto nº 13314/2007.

[19] Por todos, Bernardo Ribeiro de Moraes: “Não fazem parte do preço do serviço o valor das despesas de reembolso, assim entendidas as despesas feitas pela empresa para atender os interesses dos hóspedes, pagando antecipadamente tais despesas e posteriormente debitando na sua conta, sempre ligadas a atividades não desenvolvidas pela empresa prestadora do serviço.” e Roque Antonio Carraza: “Se a base de cálculo do ISS levar em conta elementos estranhos à prestação do serviço realizado — como, por exemplo, despesas rateadas entre empresas do mesmo grupo econômico — descaracterizar-se-á o perfil constitucional deste tributo. (…) Neste sentido, fica claro que o valor correspondente à recuperação de despesas administrativas de empresas do mesmo grupo absolutamente não pode ser considerado preço do serviço prestado”.

[20] “A base de cálculo do ISS é o preço do serviço, não sendo possível incluir, nesse valor, importâncias que não serão revertidas para o prestador, mas simplesmente repassadas a terceiros, por meio de posterior reembolso”. AgRg no REsp 1094948/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS. /

“SERVIÇOS NÃO PRESTADOS PELA DEVEDORA TRIBUTÁRIA.

REEMBOLSOS DE IMPORTÂNCIAS QUE NÃO SE ENQUADRAM COMO SERVIÇOS PRESTADOS. NÃO INCIDÊNCIA”. REsp 621.067/SP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA.

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