A Contribuição Previdenciária sobre Planos de Saúde Oferecidos a Dependentes

por Rubem Perlingeiro
Sócio conselheiro da área tributária do escritório Ulhôa Canto Rezende e Guerra Advogados
Agatha Accorsi Voss
Sócia da área tributária do escritório Ulhôa Canto Rezende e Guerra Advogados

 

Em matéria veiculada no jornal Valor Econômico do dia 17.07.2014, foi noticiado que “o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) praticamente definiu ontem, por maioria de votos, que incide contribuição previdenciária sobre bolsas de estudo pagas a funcionários e planos de saúde e odontológicos oferecidos a seus dependentes. O resultado do julgamento só não foi proclamado porque, depois de iniciada uma discussão sobre a tributação de previdência privada, dois conselheiros decidiram pedir vista de todos os processos, que envolvem autuações fiscais contra a Bunge Alimentos no valor de R$ 20 milhões” [1].

A notícia dá a impressão de que o entendimento do CARF, após esse julgamento, será firmado no sentido de que incide contribuição previdenciária sobre planos de saúde e odontológicos oferecidos aos dependentes dos trabalhadores.

Mas, na verdade, não é bem assim. Há decisões recentes do próprio CARF reconhecendo a possibilidade de extensão do benefício do plano de saúde aos dependentes, sem a perda da isenção da contribuição previdenciária (Acórdãos nºs 2401-01.981, de 22.08.2011; 2803-001.771, de 16.08.2012; 2403-001.822, de 23.01.2013; e 2803-002.138, de 12.03.2013).

A título de exemplo, transcrevemos, abaixo, a ementa do Acórdão nº 2403­001.822, da 3ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção do CARF, de que foi relator o Conselheiro Marcelo Magalhães Peixoto:

“AUXÍLIO SAÚDE. SEGURADOS. DEPENDENTES. PLANOS DIFERENCIADOS. NÃO INCIDÊNCIA.
O art. 28, parágrafo 9º, “q” não estabelece restrições, mas sim, pressupostos para não configuração do auxílio saúde como salário de contribuição. Por tal razão basta que o auxílio seja médico ou odontológico e que seja oferecido a todos os segurados e contribuintes individuais. Constatados os pressupostos, podem ser incluídos dependentes dos beneficiários diretos. O artigo apenas trata da universalidade e não da homogeneidade do auxílio, logo é possível o oferecimento de planos diferenciados desde que por critérios objetivos”.

É fato que também já foram proferidas decisões em sentido contrário, ou seja, em linha com notícia veiculada: Acórdãos nºs 2403-00.039, de 29.04.2010; 2803-002.101, de 20.02.2013; e 2301-003.394, de 13.03.2013.

Contudo, até onde temos conhecimento, ainda não houve manifestação da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) sobre a matéria, embora haja recursos especiais (da Fazenda e do contribuinte) interpostos contra alguns desses acórdãos (ou aguardando juízo de admissibilidade ou admitidos, mas aguardando julgamento).

Assim, não nos parece que se possa concluir que o CARF praticamente definiu que incide contribuição previdenciária sobre planos de saúde e odontológicos oferecidos a dependentes. Caso o entendimento noticiado seja mantido ao final do julgamento, ele será mais um a se juntar ao rol dos precedentes desfavoráveis; porém, a questão ainda não estará decidida em definitivo na esfera administrativa, cabendo a última palavra à CSRF.

O dispositivo legal que trata da isenção da contribuição previdenciária dos planos de saúde é o art. 28, § 9º, alínea “q”, da Lei nº 8.212, de 24.07.1991, abaixo transcrito:

 “Art. 28. (…)
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:
(…)
q) o valor relativo à assistência prestada por serviço médico ou odontológico, próprio da empresa ou por ela conveniado, inclusive o reembolso de despesas com medicamentos, óculos, aparelhos ortopédicos, despesas médico-hospitalares e outras similares, desde que a cobertura abranja a totalidade dos empregados e dirigentes da empresa”.

A nosso ver, para o gozo da isenção, o importante é que o plano de saúde seja oferecido a todos os empregados e dirigentes da empresa (universalidade do benefício), não havendo previsão legal no sentido de que o plano deve limitar-se à pessoa do beneficiário (empregado ou dirigente).

Ademais, embora as autoridades fiscais e o CARF relutem em aplicar o § 2º do art. 458 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) para fins de contribuição previdenciária, cabe lembrar que o referido dispositivo não considera salário “a assistência médica, hospitalar e odontológica, prestada diretamente ou mediante seguro saúde” (art. 458, § 2º, IV), sem qualquer ressalva quanto à extensão da assistência aos dependentes do empregado.

A rigor, o conceito de salário previsto na CLT não poderia ser alterado pela lei tributária, que inclui a Lei nº 8.212/91, tendo em vista o disposto no art. 110 do Código Tributário Nacional (CTN):

“Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.”

 Cite-se, nesse sentido, o entendimento de CLÁUDIA SALLES VILELA VIANNA:

 “Não é possível, pois, adotarmos determinado conceito de remuneração para o Direito Previdenciário diverso daquele adotado para o Direito do Trabalho, por mais autônomas que se tornem as matérias com a Constituição de 1988. ‘Remuneração’, pois, deve representar o somatório das parcelas de natureza salarial, tão somente, tema que coube ao Direito do Trabalho definir nos arts. 457 e 458 do Estatuto Laboral. E, desta forma, as alterações trazidas pela Lei 10.243/01 acabam por refletir no Direito Previdenciário, permitindo a concessão de benefícios sem natureza salarial e sem a exigência de que os mesmos sejam de acesso à totalidade dos empregados e dirigentes.”

(“Contribuição Previdenciária Patronal, Sua Influência no Custo de Mão-de-Obra e as Alterações da Lei 10.243/01”, em “Direito Previdenciário – Temas Atuais”, org. CLESSI MARIA DARTORA e MELISSA FOLMANN, Ed. Juruá, 2006, pp. 165/166.)

Por outro lado, também não custa lembrar que a Constituição Federal assegura a saúde como direito do indivíduo e dever não apenas do Estado como da própria sociedade e, em consequência, da empresa (art. 194, caput). Por essa razão, considera de relevância pública as ações e serviços de concretização dessas ações (art. 197) e tem a participação da comunidade como uma das diretrizes da organização do sistema de saúde (art. 198, III), sendo, pois, um contrassenso e um desestimulo às empresas a tentativa de tributar planos que justamente têm por objetivo melhorar a saúde das famílias dos trabalhadores, num papel complementar ao do Estado.

Em linha com esse entendimento, confira-se a opinião de IVAN KERTZMAN e SINÉSIO CYRINO:

“Saliente-se que a possibilidade de inclusão de dependentes do empregado em plano de saúde custeado pela empresa é prática comum das organizações e, a nosso ver, atende aos anseios do legislador de socialização da saúde, não devendo, se forma alguma, ser considerado tributável.” (“Salário-de-Contribuição – A Base de Cálculo Previdenciária das Empresas e dos Segurados”, Editora JusPodivm, 2ª edição, pp. 182 e 183).

À vista do exposto, parecem-nos acertados os precedentes que reconhecem a isenção de contribuição previdenciária sobre planos de saúde e odontológicos oferecidos aos dependentes dos trabalhadores. Esperamos que, ao final, prevaleça no CARF o reconhecimento dessa importante isenção.

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 [1] Processos administrativos nºs 13971.004295/2009-02, 13971.004294/2009-50, 13971.003192/2009-17, 13971.004296/2009-49 e 13971004298/2009-38, envolvendo Bunge Alimentos S.A., que estão sendo julgados na 1ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 2ª Seção do CARF (os referidos processos foram incluídos na pauta de julgamento do dia 13.08.2014, mas, em razão de pedido de vista de um conselheiro, o julgamento foi adiado novamente – ou seja, até o momento em que este artigo foi escrito, o julgamento desses processos não foi concluído). 

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