Confira o discurso proferido pelo Ministro Benedito Gonçalves na abertura do V Congresso Internacional de Direito Tributário do Rio de Janeiro

Confira o discurso proferido pelo Ministro Benedito Gonçalves  na abertura do V Congresso Internacional de Direito Tributário do Rio de Janeiro

Texto utilizado por S. Exa. o Ministro Benedito Gonçalves no início da palestra que proferiu na plenária de abertura do V Congresso Internacional de Direito Tributária do Rio de Janeiro, promovido pela ABDF em homenagem a Gilberto de Ulhôa Canto.

 

 

“Os desafios fiscais e tributários na construção de uma nova política pública tributária no Brasil”

 

O Brasil atualmente se encontra em um quadro bastante delicado em suas contas públicas. Com a pandemia mundial do COVID-19, esse cenário de afunilamento do risco fiscal, aliado às graves assimetrias na eleição das bases que são tributadas pelo Estado brasileiro, sofreu um profundo agravamento.

A atual estimativa indica que a relação entre o PIB – Produto Interno Bruto e a dívida do Brasil atinja o alarmante percentual superior a 100%.

A nova perspectiva da relação entre o PIB e a dívida pode ser percebida pela análise do Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias (RARDP) relativo ao terceiro bimestre de 2020. O Relatório é editado em cumprimento ao disposto no art. 9º da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, Lei de Responsabilidade Fiscal, e na Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO. O documento é produzido em conjunto pela Secretaria do Tesouro Nacional, Secretaria de Orçamento Federal e Receita Federal do Brasil.

O Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias relativo ao primeiro bimestre de 2020 apresentou uma estimativa de déficit primário de 161 bilhões de reais, acima da meta prevista na LOA (que era de 124 bilhões de reais).

Já no Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias relativo ao segundo bimestre de 2020, a estimativa de déficit primário saltou para 540 bilhões de reais.

Por sua vez, o Relatório de Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do terceiro bimestre aponta para um déficit primário de 787 bilhões. Segundo as perspectivas do governo e de agentes econômicos, esse déficit pode chegar a 850 bilhões, o maior da história.

Muito recentemente, em 2017, o Brasil já havia registrado seu pior déficit primário de toda a história, na cifra de 155 bilhões, o que correspondeu a um impacto de 2,47% do PIB, à época.

Três anos depois, o mundo inteiro é atingido por uma das maiores crises da história, que está demandando um esforço fiscal hercúleo aos países, para a manutenção do emprego e da renda, especialmente das populações mais necessitadas.

Diante de necessidades urgentes e absolutamente prioritárias, de preservação da saúde e do sustento econômico familiar, a dificuldade para o nosso país é exatamente a de não ter saído ainda de um contexto delicado das suas contas, depois dos seguidos tombos no PIB, observados em 2015 e 2016.

No ano de 2015, pouco mais de quatro anos antes do atual cenário imposto pela COVID-19, o PIB brasileiro despencou 3,5% (após revisão; antes, havia sido informada queda de 3,8%). No mesmo ano, o PIB per capita (que era de R$ 29.324) caiu 4,3% em relação a 2014, a maior queda desse indicador na série, que teve início em 1996.

O ano de 2016, três anos e alguns meses antes da pandemia mundial do COVID-19, também apresentou um tombo do PIB do Brasil, no percentual de 3,3% (após revisão de 3,5% para 3,3%); o PIB per capita caiu 4,1%.

Os anos de 2015 e de 2016 representaram a pior recessão econômica para o Brasil desde 1948. O biênio 2015-2016 fez com que o patamar do PIB brasileiro retornasse ao existente no terceiro trimestre de 2010.

Tudo isso somado e considerando as projeções mais atualizadas para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) deste ano de 2020 (queda de 4,7% do PIB), o crescimento médio anual da segunda década do século 21 poderá ficar em zero (2011 – 2020). A perspectiva é extraída de estudo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV). A se confirmar esse cenário, será a pior década para o país em 120 anos.

Somando-se à chamada “década perdida”, como ficou conhecido o período de 1981-1990, a década atual, compreendida no período de 2011 a 2020, pode representar duas décadas perdidas para o Brasil em um curtíssimo intervalo de 40 anos.

O pesquisador Marcel Balassiano, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV), no artigo cujo título é “Empobrecimento relatativo do Brasil nas útlimas décadas”, afirma que:

 

No período 1981-90, a média de países com PIB per capita maior do que o Brasil era de 36%, número próximo da década seguinte (1991-2000). Nos anos 2000 (2001-10), a proporção passou para 38%. E na década atual (2011-20), “mais perdida” do que a chamada “década perdida”, que contou com a forte recessão de 2014/16, recuperação lenta e gradual de 2017/19 e crise do coronavírus de 2020, que estamos passando atualmente, a proporção foi de 42%. Em 2013, antes da crise brasileira, 39% dos países tinham um nível de renda maior do que o brasileiro, tendo aumentado para 43% no final da recessão em 2016. Com base nas projeções do World Economic Outlook, do FMI, em 2020, a proporção deve ser de 44%.

 

Diante desse contexto, fazendo um recorte apenas da década de 2011/2020, podemos apontar três causas sensíveis que provocaram uma perda de arrecadação fiscal do Estado brasileiro: as medidas desonerativas promovidas no contexto do Plano Brasil Maior, as decisões judiciais do STF (especificamente, a que suprimiu o ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS) e as medidas de pagamento de auxílio emergencial do COVID-19.

O Plano Brasil Maior, lançado em agosto de 2011, previu, entre outros aspectos, a redução de IPI sobre máquinas e equipamentos, materiais de construção, caminhões e veículos, a concessão de créditos tributários para exportadores e a chamada desoneração da folha de pagamentos. Uma outra medida de renúncia tributária envolveu ainda a desoneração da cesta básica. O conjunto dessas políticas gerou uma forte perda de arrecadação pelo governo federal. O custo anual com as renúncias tributárias, que era de 140 bilhões de reais em 2010, passou a ser de 250 bilhões em 2014, também em valores correntes de cada ano. A estimativa é de que as desonerações concedidas a partir de 2011 somem mais de 458 bilhões até 2018. Destacamos que, especificamente quanto à desoneração da folha, a medida ainda vigora. O veto presidencial acabou de ser derrubado, nesse mês de novembro de 2020, de modo que a desoneração da folha vigorará até o final de 2021.

Por outro lado, no contexto da crise mundial causada pela pandemia do COVID-19, o Estado brasileiro se viu na contingência de prover uma indispensável fonte de sustento aos milhões de desempregados, criando um auxílio emergencial. A princípio, o custo total com a medida é de R$ 322 bilhões.

Por fim, o julgamento do Supremo Tribunal Federal, que excluiu o ICMS da composição da base de cálculo do PIS e da COFINS – contribuições sociais para o custeio da seguridade social -, gerou uma perda fiscal de R$ 47 bilhões, por ano. Para dez anos, a perda fiscal é de 470 bilhões de reais, portanto. Comparativamente, as atuais perspectivas de economia de gasto público com toda a reforma da previdência, aprovada pela emenda constitucional n. 103/2019, para dez anos, é de R$ 855,7 bilhões. A exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS anula praticamente metade da economia com a reforma da previdência.

Não entrarei no mérito acerca da justiça ou acerto das decisões políticas e judiciais, seja do Plano Brasil maior, ou da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. A preocupação que me parece saltar aos olhos é com a perspectiva futura para o risco fiscal brasileiro e essa preocupação passa pela construção de bases tributárias sustentáveis, que sejam capazes de arrecadar os recursos indispensáveis a prestação dos serviços públicos, com justiça e obedecendo rigorosamente as Leis e a Constituição Federal.

Contudo, seguramente o Brasil precisará de união entre os Poderes de Estado, da sociedade civil, da academia e das entidades representativas, para a formatação de um sistema de recomposição fiscal, que não se reestabelecerá somente pela quantitativa redução do gasto, ou pelo aumento da receita.

Esse momento desafiador revela-se, em verdade, uma oportunidade para o país qualificar o seu gasto e a sua tributação, reanalisando, em ambas as pontas fiscais – despesa e receita – a eficiência dos instrumentos atualmente existentes.

É precisamente essa a grande relevância de um Congresso como esse, que debata os desafios atuais e futuros da inovação tecnológica, com foco na tributação. Há diversas propostas de reforma no sistema tributário, as quais inevitavelmente precisarão enfrentar o tema das inovações tecnológicas, sob a ótica tributária.

Temos conhecimento das propostas que fundem as contribuições do PIS/Cofins em uma “contribuição sobre bens e serviços (CBS), que criam um “imposto sobre transações” e que unem impostos federais, estaduais e municipais. Todas precisam passar necessariamente pelo crivo e amadurecimento da reflexão acadêmica, até que se tornem uma realidade efetiva e possam qualificar o sistema de política pública tributária.

Conclusivamente, cremos que esse momento desafiador, do ponto de vista fiscal, é precisamente o momento mais adequado para a união de esforços reflexivos no sentido de qualificar o gasto e a receita pública. Por esse motivo, parabenizo os organizadores do evento e desejo a todos os participantes uma proveitosa experiência!

Ministro Benedito Gonçalves

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